Principal medida de arrecadação para 2024 tem adesão zero até agora, diz Receita
Governo prevê arrecadar R$ 55,6 bi com negociação para contribuintes derrotados no Carf, mas ainda não há acordos firmados
Brasília
Principal medida de arrecadação para 2024, a negociação especial para contribuintes derrotados pelo voto de desempate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) teve adesão zero até agora, segundo a Receita Federal.
Desde o início do ano, o tribunal julgou cerca de R$ 90 bilhões em conflitos tributários por mês, mas os contribuintes derrotados pela regra de desempate ainda estão em tratativas com o fisco para decidir sobre o pagamento.
“Normalmente a adesão é um processo, não é automático. A gente acredita que o processo vai se desenrolar até o fim do ano. Essas tratativas levam tempo”, disse nesta terça-feira (25) o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias.
Questionado sobre o andamento desses processos, o técnico confirmou que o governo ainda não registrou nenhuma adesão formal à modalidade de pagamento.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera arrecadar R$ 55,6 bilhões neste ano com as negociações decorrentes de julgamentos por voto de desempate no Carf.
Trata-se do maior valor entre todas as medidas adotadas pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) desde 2023 para elevar as receitas do Executivo federal.
Na última reavaliação do Orçamento deste ano, divulgada em maio, o governo decidiu manter a projeção de arrecadação, apesar da adesão zero. Isso ajudou o Executivo a fugir da necessidade de contingenciar despesas para cumprir a meta de déficit zero.
Malaquias evitou dizer se essa decisão mudará no próximo relatório, a ser publicado em 22 de julho.
“Estamos analisando [se a projeção é factível]”, afirmou o técnico. Segundo ele, todas as avaliações de receitas são feitas nos marcos bimestrais, como exigido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
A eficácia da medida, porém, já vinha sendo alvo de ceticismo do mercado financeiro, não só pela ausência de resultados concretos nos primeiros meses do ano, mas também pela possibilidade de contribuintes decidirem prosseguir com o litígio na Justiça.
A negociação especial foi inserida em uma lei sancionada em setembro de 2023 e que retomou o voto de desempate no Carf. O instrumento dá ao representante do Ministério da Fazenda o poder de minerva em caso de empate no tribunal, composto por auditores fiscais e indicados dos contribuintes.
A lei diz que os contribuintes derrotados pelo voto de desempate terão direito ao pagamento facilitado do débito, com exclusão de multas e juros e parcelamento do valor principal em até 12 prestações mensais —ou seja, mesmo em caso de adesão nos próximos meses, parte dos recursos pode ingressar só em 2025.
O texto dá prazo de 90 dias, a contar do julgamento, para manifestação de interesse na negociação. Malaquias explicou, porém, que não necessariamente a adesão se dará neste prazo, já que há outras etapas a serem cumpridas, como entrega de documentos e verificação da capacidade de pagamento.
Apesar de eventual frustração com a negociação dos julgamentos no Carf, outras medidas adotadas pelo governo tiveram um desempenho acima do esperado.
A arrecadação com a tributação de recursos mantidos em paraísos fiscais (offshores) rendeu R$ 7,32 bilhões ao governo, mais que os R$ 5,6 bilhões projetados oficialmente. O prazo para o recolhimento facilitado sobre o estoque desses fundos terminou em 31 de maio, mas a Receita passará a tributar também o fluxo dos rendimentos futuros.
A taxação dos fundos exclusivos, detidos por investidores super-ricos, rendeu R$ 12,27 bilhões de janeiro a maio, e ainda há uma nova parcela sobre o fluxo de rendimentos a ser recolhida no fim do ano. A estimativa oficial no Orçamento é obter R$ 13,28 bilhões com essa medida.
A limitação do uso de créditos judiciais acumulados por empresas para abater o pagamento de tributos também pareceu surtir efeito, avaliou Malaquias.
Nos cinco primeiros meses do ano, os contribuintes usaram R$ 19,6 bilhões em créditos judiciais acumulados a partir de decisões favoráveis na Justiça. O valor é 46,8% menor do que o observado em igual período de 2023, quando ficou em R$ 36,9 bilhões. A redução é positiva para a arrecadação.
O uso dos créditos judiciais havia dado um salto após o julgamento bilionário da “tese do século”, que tirou o ICMS (imposto estadual) da base de cálculo de PIS e Cofins (tributos federais), abrindo uma sangria nas receitas da União.
No fim do ano passado, o governo propôs o parcelamento de créditos superiores a R$ 10 milhões, o que limitou o uso do instrumento e contribuiu para a recuperação da arrecadação em 2024.
No acumulado dos cinco primeiros meses, o governo federal arrecadou R$ 1,09 trilhão, alta de 8,72% em relação a igual período do ano passado, já descontada a inflação.
Só no mês de maio, a arrecadação somou R$ 202,98 bilhões, alta real de 10,46%. Em ambas as comparações, os valores são recorde na série desde 1995. Apesar de positivo, o resultado foi impactado por fatores negativos, como as enchentes no Rio Grande do Sul. A Receita Federal estima uma perda de R$ 4,4 bilhões no mês devido ao adiamento de tributos para empresas e à interrupção da atividade econômica de algumas companhias em função da calamidade.
Fonte: Folha de São Paulo