Cade recebe recorde de notificações de operações e negócios somam R$ 1 tri
Brasília – O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fechou 2024 com o maior número de atos de concentração notificados na série histórica da autarquia. Foram 712 operações de fusão, aquisição ou incorporação de empresas que chegaram ao órgão antitruste, em negócios que somam R$ 1,068 trilhão no mundo empresarial. O número vem crescendo e, na avaliação de especialistas, é explicado em boa parte pelo valor de faturamento que obriga as companhias a submeterem suas operações à instituição. Esse patamar não é corrigido desde 2011 e, pela desvalorização gerada pela inflação, coloca mais negócios sob o escrutínio do Cade com o passar do tempo.
O prazo de análise pelo Cade, por sua vez, foi o menor da série, com uma média de 21,6 dias. Dos 694 atos de concentração analisados no ano passado, 676 foram aprovados sem restrições e dois foram reprovados. Dez não foram conhecidos pelo órgão, quatro foram arquivados por perda de objeto, um foi avalizado com restrições e outro aprovado de forma condicionada à celebração de um acordo com o órgão. Os dados foram levantados pelo Cade e antecipados ao Broadcast.
Os casos decididos de forma sumária, ou seja, diretamente pela Superintendência-Geral, levaram uma média de 15,1 dias, enquanto os ordinários foram analisados numa média de 93,9 dias. As operações sumárias são maioria e corresponderam a 92% dos casos que chegaram ao Cade no ano passado. O fato corrobora a avaliação de que operações simples acabam chegando mais ao órgão em razão da régua de faturamento estar desatualizada.
Casos devem envolver valores mínimos
Pela lei, fusões e aquisições devem ser obrigatoriamente notificadas ao Cade se um dos grupos envolvidos na operação registrar faturamento bruto anual igual ou superior a R$ 750 milhões, e pelo menos um outro grupo envolvido fature R$ 75 milhões ou mais. O valor pode ser atualizado por uma portaria interministerial dos ministérios da Fazenda e da Justiça, o que chegou a ser recomendado pela pasta comandada por Fernando Haddad em outubro, dentro do plano para regulação de big techs.
À época, a Fazenda afirmou que a atualização dos valores permitiria que o Cade concentrasse seus esforços na análise de operações com maior potencial de impactar a concorrência. O Broadcast apurou, contudo, que a mudança ainda não é consenso entre quem acompanha as atividades do órgão.
O tempo médio de análise das operações pelo Cade é um dos menores do mundo. O superintendente-geral do órgão, Alexandre Barreto, disse ao Broadcast que a política constante é reduzir e tornar os prazos mais eficientes, já que a análise impacta diretamente no negócio das empresas. “Cada dia a mais que a gente leva pra decidir representa custo para as empresas. Então nossa política constante é de reduzir, tornar os prazos mais eficientes e melhorar o ambiente de negócios. E, realmente, nos casos em que se fizer necessário uma análise mais profunda, é onde aplicaremos maior rigor”, afirmou.
Superintendência passou a adotar questionários digitais
No ano passado, por exemplo, a Superintendência-Geral passou a adotar questionários digitais em pesquisas para obter informações no mercado analisado de cada operação. Antes, o documento era enviado por e-mail às empresas, que precisam preencher e remeter o formulário novamente ao Cade, modelo que levava mais tempo.
Os setores econômicos que mais acionaram o órgão por atos de concentração seguiram a tendência de anos anteriores. Das 712 notificações, o segmento de Energia liderou com 118 casos (16,57%), seguido de Incorporação Imobiliária (15,17%), Comércio Varejista de Mercadorias em Geral (8,01%), Indústria (8,01%), Agronegócio (6,88%) e Combustíveis (6,74%).
Entre as grandes operações analisadas, destaque para a compra de ativos da Marfrig pela Minerva, aprovada com restrições, e os avais à joint venture entre Amil e Dasa, à aquisição de controle acionário na TokStok pela Mobly, e à fusão entre a Arezzo&Co e Grupo Soma.
Debate sobre ‘big techs’ foi aprofundado
O ano de 2024 também foi marcado por um aprofundamento no debate sobre o papel do Cade junto às plataformas digitais. De um lado, o Ministério da Fazenda sugeriu que o antitruste se torne o órgão regulador econômico das big techs, o que ainda depende de uma proposta legislativa e de aprovação do Congresso. De outro, o Cade avançou em apurações sobre práticas dessas companhias que podem ferir a legislação de defesa da concorrência.
Entre os últimos casos estão a instauração de dois inquéritos para investigar a Apple e o Google sobre supostas condutas anticompetitivas por meios de pagamento envolvendo o IOS (sistema operacional da Apple) e a Play Store, respectivamente. No caso da Apple, a superintendência adotou uma medida preventiva em novembro e determinou que a companhia permita a liberdade de escolha dos canais de distribuição e sistemas de processamento de pagamentos para compras dentro de aplicativos.
A expectativa é de que esses casos possam ser julgados ainda no primeiro semestre pelo tribunal do Cade. Para integrantes do órgão, o episódio mostra que medidas preventivas em investigações de conduta são efetivas e devem ser mais exploradas pela autarquia daqui para frente para coibir abusos. Uma avaliação feita é de que a atuação do Cade caso a caso, sem impor muitas restrições normativas prévias às big techs, pode funcionar como um modelo que fiscaliza essas companhias sem desincentivar a inovação do setor. Durante todo o ano passado, o Cade instaurou 73 processos para apuração de condutas, sendo 24 deles para investigar formação de cartel. Além disso, foram 92 casos de conduta concluídos, sendo 42 referentes a cartel. Foram realizadas ainda três operações de busca e apreensão e emitidos 16 mandados.
Fonte: Estadão