Pacote antes do recesso é bem-vindo, mas medidas adicionais são necessárias’, diz professor da FGV
RIO – A aprovação do pacote fiscal do governo antes do recesso parlamentar foi bem-vinda, mas ainda são necessárias medidas adicionais para sanar a situação fiscal, avaliou Aloisio Araújo, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV) e pesquisador emérito do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). O economista corrobora a avaliação de que “houve desidratação” no pacote inicialmente proposto pelo governo, exigindo ações complementares que mirem, por exemplo, a redução de gastos do Poder Judiciário e o fim dos supersalários.
PUBLICIDADE
“Vai ter que ser feita mais coisa, né?”, frisou Araújo, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “A dívida x PIB (Produto Interno Bruto) não pode subir mais.”
A esperança, diz ele, é que o pacote sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva semeie “embriões” para novas reformas mais profundas adiante: a Reforma Administrativa, uma nova Reforma da Previdência e um corte nos gastos tributários.
“Os gastos tributários já estão em 7% do PIB, somando o federal, estaduais e municipais”, alertou.
Araújo defende a eliminação imediata do que chama de “gastos ruins”, mas manutenção de “gastos bons”. Para ele, o governo acertou ao preservar as despesas em educação e saúde, porque devem ser vistas como um investimento no desenvolvimento futuro, ao contrário das transferências de renda, que trazem justiça social, mas não teriam o mesmo potencial de gerar crescimento econômico.
“Eu gostei muito de (o pacote) não mexer no Fundeb, porque apenas obrigou a gastar mais em (ensino em) tempo integral. Eu acho positivo”, avaliou. “É preciso tomar cuidado com essa associação entre transição demográfica e corte já nos gastos com educação. Nós não completamos ainda a educação razoável.”
O professor defende que o Fundeb visa corrigir desigualdades na educação básica, com aportes importantes nos municípios mais miseráveis, onde a oferta de creches ainda está aquém do necessário para atender à população.
Os recursos também serviriam para equacionar as deficiências que persistem no ensino técnico e no ensino integral. Segundo ele, não é possível cortar despesas com educação antes que esses problemas estejam minimamente equacionados, caso contrário o País sacrificaria toda uma geração que, sem acesso adequado à educação, não teria como avançar e sair da pobreza.
O ‘azedume’ do mercado financeiro
Araújo considera exagerado o azedume gerado no mercado financeiro pelo pacote fiscal. Ele tampouco vê o crescimento econômico em curso como resultado de gastos de governo, mas sim de uma combinação de impulso fiscal com os reflexos benéficos de uma série de reformas aprovadas nos últimos anos.
“O nosso crescimento não vem todo de impulso fiscal. Nosso crescimento vem muito também de reformas importantes que foram feitas nos últimos anos: a trabalhista, a previdenciária e agora essa bela reforma de imposto de consumo. Vão ter de vir ajustes adicionais, mas (a reforma tributária) foi uma coisa histórica, de décadas. Era uma das piores distorções no Brasil. Há muitas outras também, o marco do saneamento, o Brasil continua tendo reformas, isso é muito positivo”, afirmou. “As reformas são positivas. Boa parte desse crescimento econômico nosso é saudável.”
O economista crê que a demanda por um ajuste fiscal tão agudo seja consequência de uma meta de inflação baixa demais para o País. A meta de inflação perseguida pelo Banco Central em 2024 é de 3,00%, com teto de tolerância de 4,50%.
Não estou dizendo agora para agradar ninguém, há 10 anos eu venho dizendo isso e tem artigo científico: eu acho que essa meta (de inflação) de 3% é muito baixa para o Brasil. A meta do Brasil era 4,5% e era difícil cumprir. Algumas vezes você furava o teto da meta. E agora já furou três vezes nas últimas quatro. Esse ano vai furar de novo o teto, e ano que vem vai furar de novo, já está contratado. Em cinco vezes você furar quatro. Isso tem a ver com a situação fiscal brasileira que é ruim há décadas”, justificou.
O pesquisador afasta, porém, a possibilidade de uma mudança na meta de inflação atual.
“É difícil aumentar essa meta agora. Você pode criar mais argumentos para quem diz: ‘isso vai ser só para validar mais gasto’. E eu acho que o governo tem que prestar atenção, porque ele está gastando demais, tem impulso fiscal sim. Houve esse esforço (do pacote fiscal), foi muito bem-vindo, eu acho, mas tem que fazer coisas adicionais. Mas não é para fazer um ajuste de R$ 300 bilhões para cumprir a meta de 3%. Eu acho que isso é delírio. O Brasil há décadas tem problemas fiscais.”
É hora de isentar IR?
Assim como o momento não é propício para alterar a meta de inflação, tampouco é hora de emplacar a intenção de isentar do imposto de renda quem recebe até R$ 5 mil mensais, opinou. Araújo classifica também como “perigoso” instituir uma taxação de lucro e dividendos sem antes reduzir o imposto sobre pessoas jurídicas. Segundo o economista, o governo deveria focar esforços agora em novas medidas que recuperem a economia perdida com a desidratação do pacote durante a tramitação no Congresso. “Tem de cortar gasto ruim sim, porque está gastando muito. Mas vamos separar uma coisa da outra. Primeiro que não foi só impulso fiscal que está gerando o crescimento (econômico). Em segundo, a meta também está atrapalhando, essa meta está baixa demais. Eu acho que tem que ter um grande esforço nacional realmente, já começou agora, em cortar gasto ruim. Por exemplo, atualmente é gasto 1,6% do PIB com o Judiciário. Os outros países gastam 0,6% do PIB. Tem que ser feito mais coisas, e não só sobre os supersalários, que ficou meio desidratado. Foi muito ruim isso, passou uma redação que não foi boa”, concluiu.
Fonte: Estadão