Desconto ao empregado para custear auxílio tem natureza salarial?
Tributaristas defendem a não incidência da contribuição previdenciária sobre parcela de benefícios arcada pelo trabalhador
Vale-transporte, vale-alimentação, plano de saúde e odontológico são benefícios cobiçados pelos trabalhadores, mas que se tornaram mais raros em um contexto de desemprego e corte de despesas nas empresas devido à crise e à pandemia.
Em meio a esse cenário, alguns tributaristas defendem a não incidência da contribuição previdenciária sobre a parcela desses benefícios arcada pelo contribuinte. A tese é que os valores abatidos do pagamento dos empregados a título de coparticipação no custeio do vale-transporte, auxílio-alimentação e auxílio-saúde ou odontológico não teriam natureza salarial, uma vez que não seriam de titularidade do empregado, sendo descontados antes mesmo que este tenha acesso a eles.
“A parcela é associada a um benefício. Não é uma coisa que o trabalhador receba”, afirma Augusto Bercht, sócio da área de Tributário do Souto Correa. “Se houvesse segurança sobre a não tributação dessa parcela a empresa com certeza seria estimulada a aumentar o valor [dos benefícios]”, acrescenta o advogado.
Os tribunais reconhecem que a parcela custeada pelo empregador tem natureza indenizatória e não salarial, sendo isenta da contribuição. Mas, não há jurisprudência firmada sobre a não tributação do desconto aos empregados. Recentemente, no entanto, a interpretação de que não incidiria a contribuição previdenciária sobre esses valores sofreu uma derrota importante.
Em decisão unânime no julgamento do REsp 1.928.591, em 5 de outubro, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido da Alisul Alimentos S.A para excluir da base de cálculo da contribuição previdenciária os descontos sobre o salário dos empregados para custeio de vale-transporte, auxílio-alimentação e auxílio-saúde odontológico fornecidos pela empresa.
“No caso em questão, o fato de os valores descontados aos empregados correspondentes à participação deles no custeio do vale-transporte, auxílio-alimentação e auxílio-saúde/odontológico ser retida pelo empregador não retira a titularidade dos empregados de tais verbas remuneratórias”, afirmou o relator, ministro Hermann Benjamin.
Foi a primeira decisão de turma sobre o tema na Corte. O STJ tem decisões monocráticas permitindo excluir da base de cálculo da contribuição previdenciária o vale-transporte, dos ministros Assusete Magalhães (REsp 1.948.867), Sérgio Kukina (REsp 1.936.980), Benedito Gonçalves (REsp 1.920.711) e Gurgel de Faria (REsp 1.894.150). Já o ministro Og Fernandes proferiu decisão monocrática no REsp 1.939.757 permitindo exclusão do vale-transporte e do auxílio-alimentação, desde que não seja pago em pecúnia.
Benefício social
Apesar do entendimento unânime da Segunda Turma do STJ favorável à incidência, o advogado Alessandro Cardoso, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, não descarta que tribunais superiores possam formar jurisprudência pela não tributação. “O cenário, por enquanto, tem sido restritivo, mas entendo que matéria ainda está em aberto. Quando tiver um repetitivo [do STJ], a análise é vinculante e vão aprofundá-la”, aposta.
Segundo o advogado, os tribunais têm discutido a questão sob a ótica de a natureza da verba ser salarial ou indenizatória. Na avaliação de Cardoso, contudo, as despesas com transporte, alimentação e saúde dos funcionários têm característica de benefício social. “Tem um deles que eu acho que é primordial, é um benefício social enorme, que é o plano de saúde. É um benefício social que está exonerando o Estado, reduzindo o impacto na saúde pública”, afirma.
Ele considera, ainda, que a não incidência de contribuição previdenciária estimularia as empresas a ofertar com mais frequência os benefícios. “A tributação pode estimular ou desestimular condutas dos contribuintes. A partir do momento em que você tributa esse tipo de benefício está criando um custo que desestimula, e as empresas levam muito isso em conta.”
Segundo Rodrigo Bevilacqua, associado sênior de Tributário do Cescon Barrieu, a discussão sobre não a incidência de contribuição previdenciária é “embrionária”.
Ele lembra que no caso do vale-transporte – que, para ser isento da contribuição, precisa tomar como referência os custos do transporte público – houve uma flexibilização de entendimento da própria Receita Federal para permitir a tomada de crédito de PIS e Cofins sobre despesas com veículos para transportes de funcionários. Na Solução Cosit 45/2020, a Receita entendeu que os gastos com transporte próprio da pessoa jurídica (inclusive combustíveis e lubrificantes) para transporte do trajeto de ida e volta do trabalho da mão de obra geram créditos de PIS e Cofins.
Mariana Branco – Repórter especializada em Conselho
Fonte: JOTA