Senado pode votar projeto com potencial de elevar em 25% as emissões do setor elétrico
Projeto de lei está na pauta da Comissão de Infraestrutura e há chance de votação no plenário da Casa nesta terça-feira (26), sob protesto de integrantes do setor elétrico
Brasília
O Senado pode votar nesta terça-feira (26) o texto que trata do marco regulatório das eólicas em alto-mar, que tem potencial de elevar em 25% as emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico.
O impacto ambiental, calculado pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia, se deve a emendas sem relação com o tema que foram incluídas pelos deputados ao analisar o texto, os chamados jabutis. A proposta está pautada para análise na Comissão de Infraestrutura do Senado.
A intenção é levar o tema já à votação no plenário da Casa no mesmo dia, segundo pessoas que acompanham a discussão. Se aprovado, o projeto vai para sanção presidencial.
O senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator do projeto, não divulgou seu relatório sobre o PL. A votação, portanto, pode ocorrer sem uma discussão mais aprofundada sobre o tema. A Folha entrou em contato com o parlamentar por diversas vezes, mas não obteve resposta sobre o pedido de entrevista.
Originado no Senado, o PL 576/21 teve apoio do setor elétrico em sua versão original, mas ganhou emendas jabutis na Câmara, o que desfigurou a versão original. Com a nova redação, houve aumento do prazo de geração de usinas a carvão de 2028 até 2050, além da obrigação de contratação de usinas a gás fóssil, com exigência de funcionarem até 70% dos dias do ano.
A reação contrária do setor elétrico à nova proposta foi ampla, unindo geradores, distribuidores, transmissores e consumidores de energia. Dentro do Congresso, porém, o tema já é tratado como certo de aprovação.
Duas emendas incluídas no texto determinam a contratação compulsória de 4,2 gigawatts de termelétricas a gás natural com funcionamento ininterrupto (inflexíveis), além da prorrogação e expansão de subsídios a usinas térmicas a carvão para os próximos 25 anos.
Se forem aprovadas, afirma a Frente do Setor Elétrico, essas emendas obrigarão o país a emitir cerca de 252 milhões de toneladas (Mt) de CO2, ou o equivalente à média de 10 Mt de CO2 por ano, até 2050, ano em que o Brasil planeja atingir a neutralidade climática.
O cálculo foi elaborado com base em cálculos do Instituto Internacional Arayara, Instituto ClimaInfo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) e dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Além do impacto ambiental, a emenda relativa à contratação obrigatória do gás traria um custo adicional de R$ 155 bilhões a serem cobrados na conta de luz dos consumidores de energia. Já o jabuti do carvão obrigará os brasileiros a bancar a emissão média de 4,7 MtCO²e por ano pelos próximos 25 anos, com um custo total de R$ 92 bilhões.
Somadas às outras seis emendas aprovadas por ampla maioria na Câmara dos Deputados, o impacto econômico total do PL 576/21 pode chegar a R$ 658 bilhões, ou R$ 25 bilhões por ano. Isso representa um aumento de 11% na conta de energia dos brasileiros.
“Nossa preocupação é que seja aprovado um PL e levado a plenário sem que conheçamos o seu relatório. Queremos participar dessa decisão. Estão virando as costas para os consumidores de energia, esquecendo que eles também são também eleitores”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores e ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Barata diz que a frente procurou o relator do PL no Senado, mas não obteve retorno. “Essa proposta atende a interesses particulares e nada republicanos. Faz um ano que estamos contra essa batalha no Congresso. Esse PL nasceu como uma boa proposta no Senado, mas recebeu oito emendas na Câmara que trazem um conjunto de fontes desnecessárias, caras e que agridem o meio ambiente.”
Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia Elétrica), também faz duras críticas ao PL e ao rito de tramitação no Congresso.
“A aprovação dessas várias emendas que descaracterizaram o projeto das eólicas offshore é muito ruim, porque vai aumentar o custo da energia e carbonizar o setor elétrico brasileiro”, disse Pedrosa. “Isso vai retirar dinheiro das pessoas, aumentando a conta de luz e de tudo que é feito no Brasil. O brasileiro vai sentir isso no preço do supermercado.”
Pedrosa disse que confia na movimentação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que já criticou publicamente os jabutis, para que defenda os consumidores e reafirme o compromisso com a redução do custo de energia no país.
Dentro do Senado, porém, o governo dá sinais de pouca resistência para que o PL avance e seja votado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode vetar o PL ou parte dele, mas isso também pode ser objeto de um novo projeto do Congresso, para derrubar o veto, como já ocorreu em outras ocasiões.
Por meio de nota, a organização Observatório do Clima e a Coalizão Energia Limpa que a aprovação do projeto pode resultar nas emissões de 274,4 milhões de toneladas de CO₂ equivalente ao longo das próximas duas décadas e meia, semelhante à soma das emissões anuais do setor de transportes e da produção de combustíveis fósseis.
Essa escala de emissões, afirmam, praticamente anularia os esforços de combate ao desmatamento na Amazônia entre 2022 e 2023, reduziram as emissões brasileiras em 386,8 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, de acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). “Ressaltamos a importância do PL considerar, em seu mérito, salvaguardas socioambientais, os direitos dos trabalhadores/as da pesca e dispositivos que possam tratar das disputas territoriais que estes projetos irão trazer ao longo da sua cadeia, abrindo para um debate mais amplo com a sociedade”, declaram as organizações. “Também entendemos incabível um projeto que trata de energia renovável, trazer, atrelado a si, a expansão de fontes fósseis como carvão mineral e o gás fóssil, logo a necessidade da retirada de jabutis que tratem desta possibilidade.”
Fonte: Folha de São Paulo