Brasil fecha acordo para menção branda à taxação de super-ricos em comunicado do G20 Texto só foi concluído após concessões de negociadores brasileiros

Nathalia Garcia Ricardo Della Coletta Júlia Moura

Rio de Janeiro

Negociadores do G20 costuraram um acordo para o comunicado do encontro de ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do bloco –composto pelas 19 principais economias do mundo, a União Europeia e a União Africana. A adoção oficial do texto deve ocorrer nesta sexta-feira (26), no Rio de Janeiro.

Durante o processo, o Brasil precisou fazer concessões para conseguir incluir no texto uma menção, sem promessas, à chamada taxação dos super-ricos, principal bandeira do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na trilha de finanças do G20.

O texto negociado não deve conter uma promessa de implementação de um sistema para tributação internacional de super-ricos. Em um tom mais brando, deve reafirmar o compromisso dos países com a promoção do “diálogo global sobre tributação justa e progressiva”, incluindo “indivíduos com patrimônio líquido ultraelevado”. Para negociadores brasileiros, a mera menção ao assunto é uma vitória.

Diferentes países no G20, entre eles os Estados Unidos, não aceitaram a inclusão de qualquer trecho que indicasse um endosso ao mérito da proposição. A designação da proposta como um tipo de “taxação internacional”, que chegou a constar em versões anteriores da declaração, também foi vetada.

Para contornar essas resistências em busca de consenso, o Brasil aceitou alguns ajustes de linguagem. De acordo com uma pessoa com conhecimento das negociações, os países do G20 devem reconhecer que tributação é um assunto de soberania nacional.

Uma minuta da declaração ministerial foi divulgada pela agência Reuters na terça (23).

O trecho sobre tributação dos super-ricos deve fazer referência à “Declaração Ministerial do G20 do Rio de Janeiro sobre Cooperação Tributária Internacional”, um documento dedicado exclusivamente à discussão tributária, que será publicado em paralelo ao comunicado amplo sobre diversos aspectos da economia global.

A redação também deve dizer que o grupo continua trabalhando em conjunto por um sistema de tributação internacional “mais justo, mais estável e mais eficiente” e que a cooperação deve “maximizar as sinergias entre os fóruns internacionais existentes.”

O comunicado deve mencionar que os ministros “tomam conhecimento” dos estudos encomendados pela presidência brasileira do G20 ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao economista francês Gabriel Zucman, além de fazer referência a um relatório da OCDE sobre taxação e desigualdades.

O parágrafo sobre tributação deve ainda apoiar discussões construtivas no comitê da ONU que discute cooperação internacional desse tema —uma demanda da União Africana, que considera a OCDE menos representativa para realizar esse tipo de discussão.

O Brasil defende a proposta elaborada por Zucman, que prevê um imposto global de 2% sobre o patrimônio de cerca de 3 mil super-ricos —o que corresponde a US$ 250 bilhões (cerca de R$ 1,4 trilhão) de potencial de arrecadação por ano.

Ao longo dos meses de negociação, o estudo do economista francês foi um dos pontos mais questionados por outros países, segundo uma fonte com conhecimento das tratativas.

De acordo com esse interlocutor, o Brasil chegou a circular documentos que traziam mais referências às pesquisas de Zucman, apontando diagnósticos, soluções e planos de ação propostos pelo economista.

Mesmo a linguagem que deve ser adotada, que diz apenas que o G20 “toma conhecimento” do estudo, enfrentou resistências e só foi aceita diante da avaliação de que era preciso fazer acenos à presidência brasileira.

Nesta quinta (25), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que citar a taxação dos super-ricos no âmbito do G20 é “conquista de natureza moral, antes de mais nada”.

“Esses processos têm um curso relativamente lento na agenda internacional”, declarou.

Mais cedo nesta quinta, a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e coordenadora da trilha de Finanças do G20, Tatiana Rosito, afirmou que não comentaria os termos dos documentos negociados.

Na abertura da reunião do G20 sobre tributação, Haddad se disse muito satisfeito por estar em condições de aprovar uma declaração “histórica” sobre tributação. O chefe da equipe econômica afirmou também que o G20 será lembrado como ponto de partida de um “novo diálogo global sobre justiça tributária.”

Na terça, a coordenadora antecipou que o grupo estava negociando uma declaração específica sobre cooperação internacional em matéria tributária.

Ela afirmou que uma referência à taxação de super-ricos também seria incluída no comunicado mais amplo do G20 e negou que a ideia de tratar o assunto em um documento à parte fosse uma estratégia para driblar a resistência de alguns países.

De acordo com Rosito, esse é um elemento novo trazido pelo Brasil e a iniciativa merecia uma declaração específica. “É a primeira vez que vai haver uma declaração dessa natureza na área de tributação. É uma declaração ampla relativa à área de tributação, de cooperação internacional em matéria tributária, que inclui vários dos temas que o Brasil trouxe para o centro das discussões”, disse.

Os Estados Unidos levantaram publicamente objeções à taxação dos super-ricos.

Nesta quinta, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, afirmou que é muito difícil uma coordenação das políticas tributárias de todo o mundo e disse não ver “necessidade” nem achar “desejável” negociar um acordo internacional sobre a taxação de super-ricos.

Em maio, ela havia dito que Washington não era a favor de criar um imposto global para a riqueza de bilionários. O tema da tributação progressiva foi tratado pela americana na reunião bilateral com Haddad na quarta (24).

De acordo com relato de uma pessoa a par do encontro, a secretária do Tesouro dos EUA se mostrou favorável a que os mais ricos arquem com uma parcela maior dos custos do Estado e mencionou uma proposta do presidente Joe Biden de elevar a tributação para bilionários nos EUA.

No entanto, os americanos entendem que esse tema é eminentemente nacional e varia de uma jurisdição para a outra. Eles também se opõem a discutir como os recursos arrecadados por um imposto desse tipo deveria ser gasto.

Se confirmada, a publicação de uma declaração de ministros de Finanças deve ser celebrada pelo Brasil porque, durante um encontro do grupo em fevereiro em São Paulo, divergências entre os países sobre a guerra na Ucrânia impediram a adoção de um documento oficial. Agora, os diplomatas envolvidos na negociação concordaram em publicar um documento independente, sob responsabilidade do Brasil, em que se reconhece as diferentes opiniões existentes sobre Ucrânia e a guerra na Faixa de Gaza. Esse texto também diz que essas divergências serão discutidas na preparação da reunião de líderes do G20, marcada para novembro no Rio.


Fonte: Folha de São Paulo

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