Gestores públicos temem tomar riscos em compras de inovação, diz estudo do BID
Banco de desenvolvimento para países latinos lança estudo com TCU com propostas para destravar esse tipo de investimento
O Brasil é um dos países de maior potencial em inovação – especialmente na posição de nação emergente e latino-americana –, mas as soluções não têm conseguido chegar ao setor público. A avaliação é do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que tem como uma das frentes a digitalização dos municípios brasileiros. Junto com o Tribunal de Contas da União (TCU), o BID lançou um estudo para orientar compras públicas de inovação por instituições públicas – e propor ajustes aos processos atuais.
Dificuldades para adquirir novas tecnologias sem deixar escapar os requisitos necessários às contas públicas são identificadas como barreiras que travam a adoção de novas tecnologias. As recomendações do BID – para que gestores públicos consigam ter acesso a soluções e empresas de inovação façam negócios também com governos – foram adiantadas ao JOTA.
“Aprimorar a forma como essas compras são feitas é fundamental para poupar gastos públicos e também incentivar investimentos para um setor que oferece empregos qualificados, já que esse tipo de gasto representa parte relevante do PIB. No Brasil, assim como na OCDE, gira em torno de 12%. É um ciclo virtuoso”, diz Morgan Doyle, representante do BID no Brasil.
Há ainda outra lógica para a urgência que o banco de desenvolvimento enxerga em virar essa situação: sem avanço tecnológico, a população não tem acesso a serviços públicos com as mesmas condições com que se conecta a serviços privados. Isso fortalece as desigualdade entre aqueles que dependem do setor público e os que têm outas alternativas.
Seguindo a diversidade de contextos regionais que o país comporta, a adoção de novas tecnologias por governos de dimensões variadas também é desigual e um desafio para o avanço do país como um todo nessa área. A questão é que, frequentemente, os recursos não estão sendo aplicados
A percepção de risco em relação aos órgãos de controle é identificada como um entrave para gestores públicos nas compras de inovação. O apego ao menor preço como principal critério de julgamento, a necessidade de justificar a própria conduta perante os órgãos de controle e a aversão à assunção de riscos seriam algumas das razões para que gestores tenham práticas defensivas.
Assim, as contratações de tecnologia emperram e instrumentos de cooperação público-privada deixam de ser usados. Segundo o estudo, essa insegurança decorre menos de penalizações por controladores, e mais do receio de atrair questionamentos ao fazer contratações menos comuns na administração pública. A proposta para mitigar isso é que contratações públicas de inovação sejam interpretadas e aplicadas separadamente da legislação que rege as compras públicas em geral.
Além disso, as contratações de inovação por órgãos públicos deveriam priorizar caminhos que gestores e órgãos de controle tenham familiaridade. Uma possibilidade apontada seria estruturar um fluxo comum de planejamento prévio para contratações de inovação com indicação de boas práticas, como consultas públicas e formação de grupos de especialistas. A mesma rota poderia ser usada em diferentes tomadas de decisão.
Nesse sentido, a Nova Lei de Licitações, sancionada neste ano, correria o risco de não ser capaz de dinamizar as compras públicas de inovação. O banco de desenvolvimento defende a delimitação da responsabilidade do gestor público por práticas que possam vir a ser consideradas irregulares pelos órgãos de controle seguindo a interpretação da Lei 13.655/2018, que trata de direito público.
A interpretação é que a responsabilidade do gestor público por decisões e opiniões técnicas se limitaria a casos de dolo e erro grosseiro. Assim, “uma aplicação mais intensa da norma” por Tribunais de Contas e Controladorias poderia contribuir para dissipar as incertezas na aplicação da nova lei.
“Estamos preocupados com os mais de 5 mil municípios que entregam as políticas na ponta e percebemos que grande parte das ineficiências e irregularidades são resultado de desorientação, que o TCU poderia dar suporte. Eles precisam de metodologia para atender necessidades dos cidadãos, mais do que punição”, afirma Adriano Amorim, secretário-geral da Presidência do Tribunal de Contas da União (TCU).
Entre as recomendações para que as ideias cheguem à população, estão o estímulo de sinergia entre os setores científico e produtivo para inovar em certos setores. Um exemplo seriam os “selos de excelência” da União Europeia, conferidos pelo fundo de pesquisa e inovação do bloco para que projetos de grande potência que não puderam ser financiados na rodada possam receber atenção de outras fontes de recursos. Durante a pandemia de Covid-19, centenas de empresas europeias com propostas de saúde receberam o destaque.
A falta de diversidade e estabilidade de recursos para o financiamento de ciência e tecnologia seria outro problema. A sugestão seria aperfeiçoar a legislação de fundos patrimoniais e estimular que universidades e instituições públicas criem iniciativas para financiar atividades de pesquisa, como já fazem algumas universidades. Porém, atualmente a legislação sobre o tema, aprovada em 2019, não permite que as doações feitas possam usufruir de benefícios fiscais, o que desestimularia repasses.
Outra lacuna seria a cooperação público-privada para desenvolvimento de tecnologias. E a proposta seria consolidar modelos diferenciados de gestão de instituições públicas de pesquisa por Organização Social e Serviço Social Autônomo, figura privada que poderia equilibrar e trazer maior flexibilidade de atuação com regras de transparência. Isso dependeria de legislações locais permitirem esse tipo de arranjo.
Letícia Paiva – Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política
Fonte: JOTA