Cármen assume TSE, exalta Moraes, critica ódio e promete combater mentiras
Ministra elogia papel de antecessor contra ‘antidemocratas’ e associa fake news nas redes a ‘desaforo tirânico contra a integridade das democracias’
Brasília
Ao tomar posse na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a ministra Cármen Lúcia exaltou na noite desta segunda-feira (3) a atuação de seu antecessor, Alexandre de Moraes, contra “antidemocratas” na última eleição, criticou o que chamou de “algoritmo do ódio” e prometeu combate duro contra fake news.
Cármen afirmou que mentiras espalhadas em redes sociais são um “desaforo tirânico contra a integridade das democracias”. Seu discurso foi recheado de termos críticos às desinformações do ambiente virtual e na defesa de punições a quem difunde esse tipo de conteúdo. O tema deve ser prioridade em seu mandato na presidência da corte eleitoral.
“[A mentira nas redes] é um instrumento de covardes e egoístas”, afirmou Cármen, em seu discurso após ser empossada.
“O algoritmo do ódio, invisível e presente, senta-se à mesa de todos. É preciso ter em mente que ódio e violência não são gratuitos”, acrescentou a magistrada, com promessa de coragem na Justiça Eleitoral. “Não há salvação para juízes covardes.”
A ministra afirmou que a Constituição e as leis da República estão sendo e continuarão a ser cumpridas com rigor e imparcialidade.
Disse que eleições com “tranquilidade, segurança e integridade ocorrerão neste ano como em anos próximos passados”. “A mentira continuará a ser duramente combatida. O ilícito será investigado e se provado será punido na forma da legislação vigente”, afirmou.
“O medo não tem assento em alguma casa de Justiça. Até porque, como lembrava Rui Barbosa, não há salvação para juízes covardes. Ademais, geraizeira que sou, quem não pode com as coisas, que não se meta com elas, porque mais vale morrer com honra que viver com desonra. O Poder Judiciário hoje e sempre, o TSE em especial atua para honrar cada eleitora, eleitor, mantendo a confiança na cidadania brasileira plena, reconquistada nestes últimos 40 anos”, disse Cármen.
Ao iniciar o discurso, ela agradeceu a Moraes pela “ação rigorosa e firme” contra os ataques às eleições e ao sistema de votação antes e depois do pleito de 2022.
A atuação deste grande ministro foi determinante para a realização de eleições seguras, sérias, e transparentes num momento de grande perturbação provocada pela atuação de antidemocratas que buscaram quebrantar os pilares republicanos dos últimos 40 anos”, afirmou.
A posse da nova presidente do TSE teve a participação do presidente Lula (PT) e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), como o presidente Luís Roberto Barroso, e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Cármen sucede Moraes na presidência da corte eleitoral e estará à frente do tribunal até meados de 2026, incluindo as eleições municipais deste ano.
Moraes também deixará a corte eleitoral, e sua vaga será ocupada pelo ministro do Supremo André Mendonça.
A magistrada tem dito que sua gestão será marcada pelo combate à desinformação nas eleições. No começo do ano, o TSE aprovou resoluções de sua relatoria que regula uso da inteligência artificial nos contextos eleitorais e a vedação absoluta de uso de deepfake na propaganda eleitoral, já para o pleito de 2024.
Ela estabeleceu que a inteligência artificial será feita com exigência de rótulos de identificação de conteúdo sintético multimídia. A utilização de IA de forma irregular poderá acarretar a cassação do registro e mandato.
É a segunda passagem de Cármen Lúcia na presidência do TSE. Em 2012, ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo na história e também comandou as eleições municipais daquele ano. Em novembro de 2013, Cármen deixou o TSE após o fim do mandato.
Antes da fala de Cármen, discursaram o corregedor do TSE, ministro Raul Araújo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Beto Simonetti.
Gonet exaltou a atuação de Cármen no mandato anterior, como aplicação da Lei da Ficha Limpa e instalação do processo judicial eletrônico.
“Na sua volta à presidência da corte estamos todos seguros de que a causa do bem continuará a ter o refletido e enérgico empenho de que a democracia necessita para triunfar”, disse Gonet.
Ao falar, Simonetti, que fez críticas recentes a Moraes, disse que a OAB é parceira do TSE em iniciativas de defesa da democracia, como campanhas para disseminação de informações corretas sobre a eleição.
Mas também mencionou, sem nominar, uma crítica que integrantes da Ordem têm feito a Moraes, que negou a chamada sustentação oral —manifestação presencial da defesa— a advogados em algumas ocasiões.
“O início deste novo ciclo da Justiça Eleitoral é, portanto, uma ocasião oportuna para, mais uma vez, exaltar os direitos e garantias individuais e as prerrogativas da advocacia”, disse Simonetti.
“Estamos unidos na defesa de nossas prerrogativas, como o direito de realizar sustentação oral de forma presencial”, afirmou o presidente da OAB. “A sustentação oral é um direito basilar do cidadão que recorre ao Judiciário por meio de seus advogados.”
Depois de Cármen Lúcia encerrar sua fala, a ministra foi aplaudida de pé e parou para falar com cada uma das autoridades presentes, quebrando a liturgia de encerrar a sessão na sequência.
Ao cumprimentar Lula —o petista foi responsável pela sua indicação ao Supremo em 2006, a segunda mulher a ocupar uma cadeira na mais alta corte de Justiça do país—, já no centro do plenário, ela posou para a foto e, aí sim, pegou novamente o microfone e declarou encerrada a solenidade.
Moraes deixou como marca uma presidência do TSE com poderes turbinados e, como legado, o fortalecimento das estruturas da corte para a derrubada de conteúdos que sejam considerados desinformação.
Além disso, também reforçou as possibilidades de responsabilização de plataformas pelo conteúdo publicado por usuários. As atitudes de Moraes fizeram o TSE ser questionado não apenas por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas também por especialistas que entendiam que o tribunal atropelou outras legislações ao aprovar algumas das normas.
Fonte: Folha de São Paulo