Novo tributo deve ter alíquota federal de 8,8% e de 17,7% para estados e municípios, diz Fazenda

Eventuais concessões durante tramitação no Congresso podem elevar carga sobre demais segmentos

Idiana Tomazelli Adriana Fernandes

Brasília

O Ministério da Fazenda estima que a alíquota de referência do novo sistema tributário será de 26,5%, sendo 8,8% da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e 17,7% do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência de estados e municípios.

Essa será a alíquota padrão de referência, aplicada aos bens e serviços que não são beneficiados com algum tipo de tratamento diferenciado.

Os dados foram apresentados nesta quinta-feira (25) em uma longa entrevista coletiva técnica —durou 6h50 já descontado o intervalo para almoço—, um dia após a apresentação formal do texto ao Congresso Nacional.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse que a carga tributária média sobre o consumo deve ser menor porque há categorias com uma alíquota mais baixa —como é o caso da cesta básica, por exemplo.

Na entrega do projeto, na quarta-feira (24), o secretário já havia sinalizado que a alíquota padrão ficaria entre 25,7% e 27,3%, com uma média de 26,5%. “Eu diria que a referência é a média”, afirmou na ocasião.

Se confirmado esse patamar, a alíquota brasileira ficará entre as maiores do mundo para um IVA. Hoje, a maior do gênero é a da Hungria, de 27%.

Appy, porém, rebateu as críticas de que a alíquota padrão do IVA brasileiro será elevada.

“[Os críticos dizem] ‘Ah, é muito alta’. [A cobrança] É por fora, vai ser sobre o preço do bem ou serviço. Hoje é por dentro, as pessoas não têm a menor ideia de quanto estão pagando. [O novo sistema] Vai ser transparente”, disse.

“Hoje a alíquota por fora é 34,4% por fora, mas as pessoas não sabem”, acrescentou. Segundo ele, o projeto segue as premissas dadas pela emenda constitucional promulgada no ano passado, que prevê a manutenção da carga tributária.

As estimativas da Fazenda consideram o projeto na forma enviada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional, já com benefícios como o “cashback” para famílias de baixa renda e a taxação de bens considerados danosos à saúde e ao meio ambiente.

Isso significa que, se os parlamentares quiserem ampliar a lista de produtos da Cesta Básica Nacional (isenta de tributos) ou itens alcançados pelas alíquotas reduzidas, a cobrança sobre os demais segmentos da sociedade ficará ainda maior.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, fez esse alerta ao abrir a entrevista coletiva técnica sobre o projeto, na manhã desta quinta.

“Em termos de justiça fiscal e de transparência decisória do processo legislativo e dentro do Executivo, a reforma tributária traz um ganho que parece definitivo. À medida que formos discutindo benefícios e concessões, vai automaticamente mostrar o custo desse benefícios, desse diferimento, na composição da alíquota que todo mundo vai pagar”, disse Durigan.

“Com isso, a gente consegue fazer o debate completo. À medida que discutirmos um benefício, teremos a implicação do quanto aquilo pesa para o restante da sociedade”, acrescentou.

As alíquotas de referência serão fixadas pelo Senado Federal após a aprovação da regulamentação da reforma. Elas serão aplicadas automaticamente à União e aos estados e municípios, mas os entes terão autonomia para alterá-las, caso assim o desejem.

“Alíquota de referência é a que mantém a carga tributária estável. Nós calculamos em 26,5%, mas será fixada pelo Senado. Se estados e municípios não falarem nada, será igual. Se [estados] quiserem aumentar as deles, como fazem com ICMS, podem mandar projeto de lei para Assembleia”, disse o diretor de programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária Daniel Loria.

Ele destacou, porém, que o novo sistema tributário prevê o recolhimento do tributo no destino, ou seja, onde ocorre o consumo. Hoje, boa parte da cobrança é feita na origem, isto é, onde os bens são fabricados ou onde as empresas prestadoras de serviço estão sediadas.

Esse é um ponto importante, já que hoje os governadores e prefeitos definem as alíquotas que não necessariamente incidem sobre contribuintes que são seus eleitores —no caso de bens transportados para outros estados, por exemplo.

“Os consumidores serão os eleitores [após a reforma], haverá relação direta política e fiscal. Se o governador quiser aumentar a alíquota, tudo bem, mas dialogue com a Assembleia e seus contribuintes”, afirmou Loria.

Appy ressaltou que a reforma não vai tirar autonomia dos entes para gerir suas finanças. Embora a alíquota de referência deva ser fixada em patamar para manter a carga tributária atual, União, estados e municípios poderão optar tanto por uma alíquota maior quanto por uma menor.

Essa escolha poderá se dar de duas maneiras. A primeira seria em ponto percentual acima ou abaixo da alíquota de referência —por exemplo, um CBS de 0,3 ponto percentual acima da referência, resultando em cobrança de 9,1% pelas simulações da Fazenda.

A segunda forma seria fixar nominalmente a nova alíquota, dizendo que a cobrança da CBS passará a ser de 9,1%, no caso do exemplo.

Appy negou que a autonomia das alíquotas abra brechas para a continuidade da guerra fiscal entre estados e municípios, por duas razões. A primeira delas, os entes teriam que brigar para atrair consumidores em vez de empresas, uma vez que o imposto será cobrado no destino.

A segunda razão é que não será mais possível reduzir ou aumentar a alíquota pontualmente para um ou outro item. “Não pode reduzir alíquota só da televisão, tem que reduzir alíquota de tudo. Vai perder muita arrecadação. Uma guerra fiscal no consumo? Poder pode, mas acho pouco provável”, avaliou.

O secretário ressaltou ainda que mudanças legais promovidas no futuro pelo Congresso Nacional ou pelos Legislativos locais vão disparar um gatilho automático de ajuste na alíquota de referência e, mais importante ainda, só entrarão em vigor após o reequilíbrio na carga.

Para facilitar a compreensão da regra, Appy deu outro exemplo. “O Congresso eventualmente fala que quer mudar a Cesta Básica. Se Congresso fizer isso no futuro, ampliar [a lista de produtos da] Cesta Básica, ele pode aprovar, faz parte da competência dele. Mas só entra em vigor depois que tiver sido feito o ajuste na alíquota de referência”, afirmou.

“Se aprovou a mudança em dezembro de um ano, tem todo um procedimento [de ajuste da alíquota de referência]. Digamos que terminou em maio [do ano seguinte]. A IBS é um imposto que requer anterioridade anual [para entrar em vigor]. Só entra em vigor em 1º de janeiro do segundo ano [após a mudança legal]”, acrescentou.

O secretário ressaltou que as duas coisas entrarão em vigor juntas, a nova alíquota de referência e a mudança legal que disparou a necessidade de reestimativa (neste caso, a ampliação da Cesta Básica). Segundo ele, isso é uma premissa já aprovada na própria emenda constitucional da reforma tributária.

A proposta de regulamentação da reforma tributária foi entregue pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) ao Congresso Nacional nesta quarta-feira (24).

O projeto de lei complementar trata das regras gerais de operação dos novos tributos, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios.

O texto ainda estabelece as regras do IS (Imposto Seletivo), incidente sobre bens considerados danosos à saúde e ao meio ambiente.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou em entrevista nesta quinta que quer votar a regulamentação da tributária na Casa antes do início do recesso parlamentar (em meados de julho) e que é possível concluir a tramitação no Congresso até o final do ano.

Ele disse que um cronograma da tramitação da proposta será elaborado nos próximos dias com “transparência absoluta”, mas evitou dizer quem será o relator da proposta, indicando que há na Câmara diversos deputados “muito afeitos a esse tema”. Além disso, Lira voltou a defender a ideia de criar dois grupos de trabalho, com cerca de seis deputados em cada um, para analisar os textos, e destacou a importância das propostas serem negociadas entre a Câmara e o Senado, “para que um texto não se sobreponha a outro”.


Fonte: Folha de São Paulo

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