Appy admite ‘cumulatividade para frente’ para serviços financeiros na reforma

O governo admite a possibilidade de a regulamentação da reforma tributária prever uma “cumulatividade para frente” para serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e loterias. Em entrevista ao JOTA, o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, explicou que, na prática, empresas nesses setores receberiam um crédito sobre todas as suas aquisições, mas teriam suas operações tributadas no regime cumulativo, que pressupõe uma alíquota mais baixa do que a do IVA normal, mas implica não gerar e repassar crédito para as etapas seguintes da cadeia de consumo.

O modelo nesses regimes seria exceção a não cumulatividade plena da reforma tributária, aprovada no ano passado. A ideia geral é que o contribuinte tenha direito a créditos sobre todas as suas aquisições e possa utilizar esses créditos nas etapas seguintes. No entanto, há uma previsão no texto da reforma tributária para que serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e loterias (concursos de prognósticos) fiquem de fora da regra geral da não cumulatividade.  Segundo o artigo 156-A, parágrafo sexto, inciso II, da Constituição, acrescentado pela Emenda Constitucional 132/2023, lei complementar disporá sobre regimes específicos de tributação para esses setores, sendo admitida a aplicação da cumulatividade.

Appy explicou que, no caso de serviços financeiros, por exemplo, caso essa possibilidade se confirme, as instituições financeiras vão receber um crédito em todas as suas aquisições e poderão utilizar esse crédito, mas não vão poder transferi-los para frente. Ou seja, se uma empresa contratar um serviço financeiro dessas instituições, ela não receberá um crédito nessa operação.

Hoje, o sistema é totalmente cumulativo. Os bancos não acumulam créditos nas aquisições e não transferem crédito para os adquirentes de serviços financeiros. Como está o texto da emenda [EC 132/2023], as instituições financeiras vão recuperar crédito nas suas aquisições, e o regime poderá definir que elas não transferirão esse crédito para frente. Pode ser que seja regulamentado assim”, disse Appy.

O secretário ressaltou que, pelo regime atual, de cumulatividade, há muita distorção para os setores. Por exemplo, se uma instituição financeira quer desenvolver um software e contrata um terceiro para isso, ela paga os tributos, mas não tem direito a um crédito nessas operações. “Ou seja, isso incentiva a verticalização. Ela [a instituição financeira] desenvolve internamente aquilo que um terceiro poderia fazer de forma mais eficiente. Esse tipo de distorção não vai existir dentro do novo modelo”, afirmou Appy, que ressaltou que o objetivo é criar um modelo com mais eficiência econômica.

Para operações com bens imóveis, o secretário observou que, pelo modelo atual, uma incorporadora também compra insumos para construir imóveis e não recebe crédito. “Do modo como ficou o texto [da reforma], ela pode até não transferir os créditos, mas vai recuperar créditos [nessas aquisições]. Essa distorção que existe hoje, de que é mais barato fazer um prédio de concreto armado do que com estrutura pré-fabricada vai deixar de existir dentro do novo modelo”, disse.

A discussão sobre o regime de “cumulatividade para frente” nesses setores será realizada no âmbito do Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC), criado na última sexta-feira (12/1) para ajudar na regulamentação da reforma. A previsão é que a comissão de sistematização seja instalada na próxima semana. A partir de então, o programa terá 60 dias para concluir suas atividades. O secretário ressalta, no entanto, que caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a decisão sobre as propostas que serão enviadas ao Congresso Nacional. 

O timing para a aprovação das propostas também caberá aos parlamentares, mas o governo tem a expectativa e trabalha para que a regulamentação possa ser realizada ainda em 2024. De todo modo, há um horizonte maior para negociação, caso o processo não ocorra como o desejado. Em relação ao IBS e à CBS, a aprovação precisa ocorrer, no máximo, em 2025, já que os dois tributos começarão a ser cobrados em um período de teste em 2026. Quanto ao Imposto Seletivo, este começará a ser cobrado em 2027, portanto a regulamentação pode ser aprovada até 2026.

Três leis complementares

Appy mantém a avaliação de que serão necessárias ao menos três leis complementares para regulamentar a reforma tributária. A primeira, sobre IBS, CBS, regimes diferenciados e transição. A segunda, sobre o comitê gestor; e a terceira, sobre o Imposto Seletivo, que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Os grupos técnicos do PAT-RTC vão trabalhar nas informações que subsidiarão a elaboração dos anteprojetos de lei. Caso haja alguma divergência nas propostas, elas serão submetidas à comissão de sistematização do programa, que deverá ser coordenada diretamente por Appy.

Reforma da renda e da folha de salários

Paralelamente à regulamentação da reforma tributária, o governo trabalha na proposta para reformar a tributação da renda e da folha de salários. O governo tem um prazo de 90 dias desde a promulgação da reforma tributária, o que ocorreu em 20 de dezembro, para encaminhar essa proposta ao Congresso Nacional.

Com relação à folha de salários, uma das possibilidades é desonerar o primeiro salário mínimo dos trabalhadores. Esse princípio foi seguido na MP 1202, que trouxe a reoneração da folha de pagamentos. Appy ressaltou que o modelo final a ser proposto pelo Executivo caberá ao presidente Lula, mas que essa é uma proposta conhecida da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária.

“O foco é um desenho que seja simultaneamente progressivo e eficiente. O custo formal de contratações é menor para pessoas de menor renda, e é [um desenho] eficiente porque a informalidade se concentra em trabalhadores de menor renda”, disse Appy.Cristiane Bonfanti – Editora-assistente de Tributos do JOTA em Brasília


Fonte: JOTA

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