Estouro da meta em 2024 pode tirar até R$ 16 bi do governo Lula em ano de eleição presidencial

Risco de ter de frear despesas está por trás do debate sobre flexibilizar alvo fiscal neste ano

Adriana Fernandes Idiana Tomazelli

Brasília

Um eventual estouro da meta de déficit zero em 2024 pode tirar até R$ 16,2 bilhões do espaço fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026, ano de disputa presidencial. O petista deve tentar a reeleição.

O redutor de despesa está previsto no novo arcabouço fiscal. A medida serve de punição para caso de descumprimento da meta estabelecida em lei.

A estimativa foi obtida pela Folha com base em cálculos internos do Executivo que embasam as discussões no governo sobre o impacto de mudar ou não o alvo para as contas públicas.

O risco de ter de frear as despesas em ano de eleições gerais está por trás do debate dentro do governo em torno da flexibilização da meta perseguida para as contas públicas em 2024.

Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) insiste no déficit zero, estimativas do mercado financeiro indicam que esse objetivo será descumprido. No Boletim Focus, a previsão é de um rombo de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto), mais que o déficit de 0,25% do PIB permitido pela banda de tolerância.

Sem uma mudança na meta, a concretização desse cenário vai disparar gatilhos de contenção de gastos em 2025 e 2026. As punições mais duras, que progressivamente limitarão o espaço fiscal, podem ocorrer no ano eleitoral.

No ano passado, Haddad conseguiu obter o sinal verde de Lula para manter a meta sob a promessa de contingenciar até R$ 23 bilhões. O valor ficaria abaixo do calculado por analistas —que já chegaram a apontar a necessidade de um bloqueio de R$ 53 bilhões.

A criação de uma trava no bloqueio de despesas foi a maneira encontrada para blindar o andamento dos investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no primeiro semestre deste ano.

Um dispositivo foi incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para tentar garantir a aplicação desse limite em um cenário de frustração de receitas. Não há, porém, segurança jurídica dentro do governo para implementar o contingenciamento menor.

Interlocutores do governo ouvidos pela Folha afirmam que o Executivo fará uma consulta formal ao TCU (Tribunal de Contas da União) para dar respaldo legal ao decreto de contingenciamento, que terá de ser editado no fim de março. Uma reunião para preparar a defesa jurídica da consulta ocorreu na semana passada.

O governo quer enviar logo a consulta para não correr o risco de uma demora maior no julgamento pela corte de contas acabar deixando para a última hora a decisão sobre a mudança da meta. Para alterá-la, o governo precisa enviar um projeto ao Congresso.

Se o governo mantiver a meta e não fizer o contingenciamento, também haverá risco de punição pelas regras do novo arcabouço. Se o resultado da consulta for negativo, membros do governo afirmam que não há outro caminho a seguir a não ser propor um novo alvo fiscal.

Há certo consenso entre os defensores de alteração que a nova meta alvo seja um déficit de 0,5% do PIB. Na avaliação de técnicos do governo, um déficit de 0,25% poderia ser insuficiente, e um alvo de déficit de 0,75%, como querem lideranças do PT, folgado demais.

Técnicos do governo estão divididos sobre a possibilidade de vitória do TCU. Um grupo avalia que a versão aprovada da LDO sustenta um contingenciamento menor, mas outra ala considera que os ministros do TCU serão mais duros e vão negar o pedido do governo.

O governo recebeu informações de que, em reuniões com representantes do mercado financeiro no final do ano passado, ministros do TCU sinalizaram que o dispositivo da LDO seria ilegal, contrapondo-se às regras do novo arcabouço.

O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, já anunciou a criação de um painel de acompanhamento do cumprimento da nova regra fiscal.

Na equipe de Haddad, o esforço é para segurar a nova pressão pela mudança da meta até o fechamento de um acordo em torno da MP (medida provisória) de reoneração da folha de pagamento para 17 setores.

Haddad teve reunião sobre a MP da reoneração nesta segunda (15) com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas, após o encontro, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que não houve resolução para o impasse e que ainda falará sobe o tema com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Wagner disse acreditar que só se chegará a uma solução após o retorno do recesso parlamentar, em fevereiro. Na saída, Haddad precisou ir de carona no carro de seu secretário-executivo após o veículo oficial usado pelo titular da pasta apresentar um problema elétrico.

Sem mexer na meta, o governo também não poderá usar um espaço adicional de R$ 15 bilhões que poderá se abrir ainda em 2024, graças a uma regra que permite ao Executivo expandir o limite caso a arrecadação prevista para o ano tenha uma expansão ainda mais significativa em relação a 2023.

Mas o menor crescimento do limite de despesas em ano eleitoral é o ponto visto com maior preocupação, não só por razões políticas, mas também porque ficará ainda mais desafiador acomodar despesas de custeio e investimentos em meio à expansão mais veloz de gastos obrigatórios, como benefícios previdenciários e os pisos de Saúde e Educação.

O novo arcabouço fiscal vincula o crescimento das despesas à dinâmica da arrecadação. O limite de gastos é corrigido pela inflação mais uma variação real, equivalente a 70% da alta real das receitas.

Quando há estouro da meta em um ano, essa proporção cai a 50% no segundo ano subsequente —por isso, o descumprimento em 2024 gera o redutor apenas em 2026.

O mecanismo foi pensado com esse formato porque, no momento da aferição do resultado das contas públicas de um exercício, a proposta de Orçamento do ano imediatamente seguinte já foi entregue ao Congresso, dificultando a discussão sobre o corte nas despesas.

As estimativas internas do governo que apontam o espaço fiscal menor em R$ 16,2 bilhões podem sofrer variações, uma vez que foram calculadas em cima de hipóteses para a arrecadação nos próximos anos.

Elas consideram que o limite de despesas terá, em 2025, crescimento real de 2,5%, máximo permitido pela regra do arcabouço. Em 2026, se não houvesse a penalidade dos gatilhos, a expansão também seria de 2,5%. Com o redutor, a variação real cairia a 1,8%.

Analistas do mercado financeiro apontam cenário semelhante. O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, vê uma redução de R$ 16,3 bilhões no espaço fiscal de 2026, caso o estouro da meta neste ano deflagre o acionamento dos gatilhos.

Segundo ele, um redutor nessa magnitude teria potencial para inviabilizar a execução do Novo PAC, justamente uma das vitrines eleitorais do governo petista.

O economista ressalta que os números são sensíveis às hipóteses adotadas, mas servem para ilustrar o que está em jogo na discussão das metas fiscais.

“É um fator de peso, 2026 é um ano eleitoral, e também começa a ter uma restrição significativa do arcabouço por causa do aumento das despesas obrigatórias”, afirma Sbardelotto.

Ele destaca que o esforço empreendido pelo governo para elevar a arrecadação acaba tendo como efeito de segunda ordem um agravamento dessa situação, uma vez que os pisos de Saúde e Educação são vinculados às receitas —ou seja, eles também terão crescimento mais significativo nos próximos exercícios.

“Com esse gatilho de reduzir [a alta das despesas] de 70% para 50%, haverá uma restrição [ainda] mais forte.”

Crítico contumaz da meta de déficit zero, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) avalia que as estimativas da fatia de Orçamento que pode desaparecer em 2026, caso a meta atual seja mantida, indicam uma “crise contratada” para abril, logo após a publicação do primeiro decreto de contingenciamento.

“Lula vive falando em aumentar as vagas nos institutos federais. [Com o gatilho acionado] ele não vai poder fazer isso”, diz. “Continuo advogando pela mudança da meta. Não é evitar só o contingenciamento, é evitar os gatilhos de contenção.”


Fonte: Folha de São Paulo

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