Base de cálculo em debate na Reforma Tributária pode aumentar arrecadação do governo

Texto da Câmara prevê revisão anual para barrar alta da carga, e senador estuda média de ao menos 4 anos como equação razoável
Lucas Marchesini Thaísa Oliveira
Brasília
Com a promessa de manter a carga de impostos no país neutra, a Reforma Tributária, em tramitação no Senado, poderá ganhar uma regra que, na prática, aumentará a arrecadação da União no momento em que o governo federal busca mais receitas.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) que muda o sistema de tributação de bens e serviços saiu da Câmara com a previsão de que as chamadas alíquotas de referência serão revistas anualmente, para evitar a elevação da carga.
Agora, o relator da Reforma Tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), planeja estabelecer um cálculo para se chegar a uma média da carga de impostos dos últimos anos no país.
Uma das preocupações do senador é corrigir eventuais distorções provocadas por medidas específicas em cada ano. Exemplos delas são as desonerações concedidas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) às vésperas da eleição —quando as medidas foram voltadas principalmente aos combustíveis.
O senador quer usar um cálculo que considere os cinco tributos a serem fundidos pela reforma (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS). A opção pela média seria uma forma de mitigar o risco de flutuações. O senador tem discutido o tema com o Ministério da Fazenda e o TCU (Tribunal de Contas da União).
Considerados apenas os tributos da reforma, a carga representou 12,01% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano eleitoral de 2022 —o que deixaria a carga pós-reforma mais limitada caso essa fosse a referência escolhida. Em 2021, por exemplo, o percentual foi mais alto: de 12,85%.
A variação pode parecer pequena, mas representa uma diferença de R$ 14 bilhões —já feita a correção pela inflação —, o que pode gerar impacto significativo aos cofres públicos.
Os números de 2021 e 2022 estão em relatórios da Receita Federal e são os mais recentes disponíveis em bases comparáveis. A carga tributária total do país foi de 33,71% do PIB em 2022 e engloba toda a arrecadação do governo federal, estados e municípios. Em 2021, ficou em 33,05% do PIB.
Nesse caso, cada 0,1 ponto percentual representa quase R$ 10 bilhões. Assim, a média dos últimos três anos, por exemplo, permitiria arrecadar quase R$ 30 bilhões a mais do que a média dos últimos dez anos.
A ideia do relator no momento, de acordo com relatos ouvidos pela Folha, é ficar em um meio-termo para o espaço de tempo escolhido, que abrangeria o antes, o durante e o pós-pandemia —o que exige um período de ao menos quatro anos (2019 a 2022).
Nesta quinta-feira (19), Braga afirmou que o Senado aprovará uma trava para a carga.
\”Há um consenso entre os senadores de que o texto, e o legado que o Senado também trará a esse texto, é que nós teremos uma trava da carga tributária de forma bastante clara e explícita no texto que será aprovado\”, disse.
Segundo ele, a limitação de receitas deve demandar uma revisão de gastos por parte do governo, inclusive no funcionalismo, de forma a se buscar o equilíbrio nas contas públicas. \”[Isso] imporá uma reforma administrativa reversa no país\”, afirmou.
Na semana passada, o relator disse ainda que está tentando encontrar uma equação \”razoável\” para garantir que não haja aumento da carga.
\”Tenho trabalhado no sentido de fazer essa razoabilidade porque nós temos de ter, de um lado, o equilíbrio com o contribuinte. E por isso nós queremos a trava da carga tributária, para ter neutralidade do ponto de vista da carga tributária\”, disse.

\”E, de outro lado, nós temos de olhar para o setor produtivo e garantir que haja investimentos, geração de emprego e renda. Esse é o equilíbrio da reforma tributária. Agora, todo mundo quer algum tipo de benefício. E a conta não fecha\”, afirmou.
O objetivo da reforma é simplificar o sistema tributário brasileiro. Para isso, ele cria dois IVAs (Imposto sobre Valor Agregado): uma contribuição federal (CBS) e um imposto estadual e municipal (IBS) sobre bens e serviços.
Eles resultarão da fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), além de ICMS (estadual) e ISS (municipal).
A soma das alíquotas dos dois é estimada em 25%, sendo que alguns produtos e serviços terão redução de 60% (10%, nesse caso) e outros serão isentos ou terão sistema diferenciado de recolhimento.
Quase 600 emendas já foram apresentadas à proposta, a maioria criando exceções às regras, o que aumenta a alíquota dos dois impostos para compensar a perda de arrecadação.
Outro ponto em discussão é o benefício fiscal para montadoras se instalarem no Norte e Nordeste —defendido pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A proposta de Braga é atrelar a manutenção temporária da isenção à transição verde.
O relatório deve ser apresentado até 1º de novembro, e votado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no dia 7.
A expectativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é colocar o tema em votação no plenário da Casa até dia 9.
Braga disse que \”todo mundo está querendo algum tipo de benefício, e a conta não fecha\”. O senador também ressaltou que o Senado aprovou uma lei que estabelece a revisão dos benefícios fiscais a cada cinco anos.

\”Essa lei levou 21 anos para ser votada no Congresso Nacional. O Senado tem, portanto, manifestação consensual [sobre isso]. É fácil reproduzir isso para dentro da PEC. Será que isso tem apoio da Câmara? Não sei.\”

Braga e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devem conversar com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o relator do texto na Casa, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-AL), na semana que vem —antes, portanto, da apresentação no Senado.

Um dos pontos a serem conversados com a Câmara dos Deputados é sobre a Zona Franca de Manaus. Braga sinalizou que avalia repetir a solução apresentada pelo ex-senador Roberto Rocha (MA) na proposta de Reforma Tributária discutida na última legislatura.

O senador do Amazonas afirma que a ideia é criar um incentivo para propostas de \”inovação tecnológica, transição energética e descarbonização\”, com \”limitações e travas\”.
O debate sobre o tema está ligado à prorrogação de incentivos fiscais para montadoras de veículos instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2030 —que era defendida pelo próprio presidente Lula (PT) e foi derrotada pela Câmara dos Deputados por apenas um voto. O benefício também tem apoiadores de peso no Senado, como os baianos Jaques Wagner (PT), líder do governo, e Otto Alencar (PSD), líder do PSD.
Braga conversou com a imprensa após reunião com os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL); do Paraná, Ratinho Júnior (PSD); e de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB).
O grupo pediu cinco itens, entre eles a criação de um fundo constitucional para o Sul. \”O objetivo é garantir equilíbrio na distribuição de recursos federais para o desenvolvimento das regiões. Atualmente, há fundos constitucionais para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste\”, afirmou Leite.


Fonte: Folha de São Paulo

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