Antes que a tempestade chegue
Por Luís Eduardo Assis
Ao afastar o nariz da enxurrada de notícias diárias do mercado financeiro é possível perceber que algo muito importante está acontecendo. No rastro da pandemia, a inflação mundial explodiu. Nos Estados Unidos, o índice de preços ao consumidor bateu 9,1% em junho do ano passado, o registro mais alto desde novembro de 1981. A inflação no Reino Unido chegou a 9,6% em outubro de 2022, recorde de mais de 40 anos. Ainda que sem o nosso furor, lá como cá os juros sobem para combater a carestia. A taxa dos Fed funds (a Selic deles) subiu mais de cinco pontos porcentuais desde o começo do ano passado e é a mais alta desde o começo de 2007. Em recente entrevista, Jamie Dimon, presidente do JPMorgan que ficou famoso por não rasgar dinheiro, alertou para que todos estejamos preparados para conviver com taxas de Fed funds na casa dos 7%, talvez 8%. São números extraordinários, considerando que entre 2010 e 2020 a taxa média foi de míseros 0,6% ao ano.
O impacto mais devastador de juros internacionais muito altos se dará sobre os países com elevada dívida externa líquida, como é o caso crítico de muitos países da África ou da Argentina. Para quem pensa que somos cronicamente inviáveis, aqui estamos bem. Pelo 15.º ano consecutivo, o Brasil fechou 2022 com reservas internacionais que superam a dívida externa. Estima-se um superávit comercial na casa dos US$ 93 bilhões em 2023, o maior da história. Não vai ser por aí. Mas juros maiores podem pressionar o dólar e, indiretamente, a inflação. Inflação mais alta pode refrear o ritmo de queda da Selic, criando mais obstáculos para o crescimento do PIB, lembrando que o mercado já prevê que a expansão econômica em 2024 será algo como a metade do crescimento deste ano. Exceto os rentistas, ninguém tira proveito dos juros altos nos mercados internacionais.
Se o horizonte prenuncia uma tempestade, é bom o Brasil correr para tirar a roupa do varal. Cabe acelerar a pauta de reformas, encontrar uma forma de controlar gastos públicos e, antes de mais nada, concluir esta fase da reforma tributária. O texto aprovado na Câmara, que já mutilou a boa proposta original, dormita no Senado exposto à sanha dos vorazes interesses corporativos. Todos os setores se julgam merecedores de alíquotas favorecidas. Isso empurra para os outros uma conta que talvez não possa ser paga, podendo inviabilizar todo o esforço que já foi feito até agora. É melhor correr e fechar o que temos o quanto antes. O próximo ano pode ser de mais turbulência e isso não ajuda em nada.
Fonte: Estadão