123milhas pede recuperação judicial e declara dívidas de R$ 2,3 bilhões
Daniele Madureira
São Paulo
A 123milhas, plataforma de turismo, entrou com pedido de recuperação judicial, nesta terça-feira (29), na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte. Na ação, a empresa declara dívidas de R$ 2,308 bilhões.
Se um pedido de recuperação judicial é aceito, a companhia consegue evitar a cobrança de dívidas e ganha tempo para organizar um plano de pagamento. A empresa pede a suspensão pelo prazo de 180 dias de ações de credores e consumidores que tenham ido à Justiça após a interrupção de serviços.
Nesta segunda (28), a 123milhas anunciou uma reestruturação, com corte de pessoal. O número de demissões não foi informado, mas a Folha apurou que são cerca de 200 desligados. A empresa suspendeu ainda o site HotMilhas, de venda e compra de milhas aéreas.
O pedido de recuperação judicial é assinado por advogados dos escritórios TWK e Bernardo Bicalho. A ação abrange também a HotMilhas e a holding Novum, dona da 123milhas.
Entre as justificativas apresentadas pela companhia, a defesa capitaneada pelo advogado Joel Luis Thomaz Bastos destaca os postos de trabalho gerados pelas duas empresas —427, no total—, além de \”centenas de empregos indiretos\”.
Na petição, os advogados afirmam que a empresa não tem conseguido honrar com a entrega dos pacotes promocionais —que envolvem passagens e estadias sem data definida. O plano Promo123 foi suspenso no dia 18 de agosto.
De acordo com dados da 123milhas listados na petição inicial, o produto corresponde a apenas 5% do total de clientes, ou 250 mil de um universo de 5 milhões atendidos ao ano. Segundo a companhia, para ser viável, o produto deveria ter participação maior nos negócios.
Desde a suspensão dos planos até o último domingo (27), o site Reclame Aqui, a maior plataforma de reclamações online do país, somou 13.812 queixas relacionadas ao 123milhas.
Empresa diz ser alvo de quatro ações por hora em BH
Com a crise após a interrupção dos pacotes, os advogados afirmam que houve \”grande comoção\”.
\”Com isso, de fato, a credibilidade destas [empresas] diminuiu, acarretando o rompimento de contratos e a corrida de entidades para ajuizarem ações judiciais com pedidos liminares [provisórios] de bloqueios de valores, que podem ser fatais\”, escrevem.
A defesa da 123milhas diz na ação que apenas na capital mineira, onde a empresa tem sede, são ajuizadas, em média, quatro ações por hora contra a plataforma de turismo.
Especialistas em direito do consumidor afirmam que, com o pedido de recuperação judicial, os clientes lesados devem ser os últimos a receber. Nestes casos, é realizado primeiro o pagamento de dívidas trabalhistas e tributárias. No entanto, a orientação dos advogados é para que o consumidor acione o Judiciário em busca de garantir ao menos algum ressarcimento além dos vouchers oferecidos pela empresa.
De acordo com o relato da companhia à Justiça, outro fator que levou à crise é a alta dos preços das passagens cobrado pelas companhias aéreas. A 123milhas afirma que, com a retomada das atividades no pós-pandemia, ela esperava a queda dos preços —mas ocorreu exatamente o contrário.
Conforme especialistas ouvidos pela Folha, houve a alta do preço do combustível de aviação, ao mesmo tempo que as dívidas das aéreas tiveram de ser renegociadas no pós-pandemia, o que elevou o nível de endividamento das empresas.
Os advogados afirmam ainda que a Azul rescindiu um contrato que lhe dava vantagens competitivas aos preços das passagens. Fora isso, alega que sofreu com a alta taxa de juros sobre as suas dívidas.
\”Não é surpresa uma empresa da área de turismo, que foi uma das mais afetadas durante a pandemia, peça recuperação judicial\”, diz o advogado Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, especialista em recuperação judicial. \”Toda a cadeia sofreu muito nos últimos anos e agora a crise emerge.\”
As turbulências na 123milhas começaram com o anúncio do fim das passagens e pacotes promocionais.
Fundada em 2016 em Belo Horizonte pelos irmãos Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, a 123milhas também é dona da Maxmilhas, adquirida em janeiro deste ano.
A operação cresceu tão rápido que, em 2021, a empresa se tornou o maior anunciante do país, com aporte de R$ 2,37 bilhões na compra de espaço publicitário.
O montante dava direito a globais e astros sertanejos como garotos-propaganda e presença garantida nos \”fingers\” (corredores que ligam o salão de embarque ao avião) de aeroportos em todo o país.
No ano passado, de acordo com o ranking Agências & Anunciantes, anuário publicado pelo jornal Meio & Mensagem, a 123milhas foi o segundo maior anunciante, com investimentos de R$ 1,28 bilhão.
Na petição apresentada nesta terça-feira, a empresa afirma ter registrado em 2022 um GMV (volume bruto de mercadoria, na sigla em inglês) de R$ 6,1 bilhões em 2022. O indicador GMV representa vendas totais dentro das plataformas digitais, sem contar cancelamentos e devoluções. Segundo estimativa do banco BTG, o faturamento da 123milhas gerou em torno de R$ 5 bilhões em 2022.
Segundo uma fonte do setor de turismo, que prefere manter o anonimato, o erro da 123milhas foi seguir os passos do Hurb, antigo hotel urbano, e dar início, durante a pandemia, à venda de passagens e pacotes \”flexíveis\” (sem data definida e, por isso, mais baratos).
Conforme já apontado pela Folha, especialistas consideram este modelo de negócio de altíssimo risco, uma vez que não é possível prever os preços das passagens.
Em todo o mundo, as companhias aéreas só podem emitir bilhetes dentro de um prazo máximo de 320 dias, por considerarem que diferentes fatores são capazes de impactar o preço dos bilhetes: o câmbio, o preço dos combustíveis, os tributos, a situação macroeconômica local ou global.
Fonte: Folha de São Paulo