MPT vê inconstitucionalidade em minirreforma trabalhista aprovada na Câmara
Para Ministério Público do Trabalho, texto também traz insegurança jurídica
Thiago Resende
Brasília
Aprovado pela Câmara, o projeto que tem sido chamado de minirreforma trabalhista, por criar novas modalidades de contratações e mudar normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), não está de acordo com a Constituição Federal, segundo o MPT (Ministério Público do Trabalho).
Em análise técnica da proposta, o órgão afirma que o texto “tem o risco de gerar insegurança jurídica e consequências altamente danosas para a sociedade”.
O documento é assinado por mais de 15 procuradores, inclusive pelo procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira.
O governo argumenta que a redução de direitos trabalhistas é uma forma de incentivar a qualificação e formação profissional de pessoas que, futuramente, vão entrar no mercado formal de trabalho (com carteira assinada).
Procurado, o Ministério do Trabalho e Previdência não comentou os argumentos de inconstitucionalidade apresentados na nota técnica do MPT. “O mercado informal no Brasil sempre foi deixado de lado por diversos governos, com ausência de políticas que colocassem essas pessoas para o mercado formal com qualificação”, diz a pasta.
Medidas na área trabalhista que estavam sendo desenhadas e anunciadas pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) foram inseridas dentro de um projeto que já ia direto para o plenário da Câmara.
A oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) disse que foi feita uma manobra para acelerar a votação de uma minirreforma trabalhista, sem que a proposta fosse discutida pelos deputados.
Segundo o MPT, novos programas trabalhistas e mudanças na CLT não poderiam ter sido colocados na proposta (medida provisória voltada para prorrogar programa de corte de jornada e de salários durante a pandemia), que originalmente não previa alterações de normas desse porte.
A medida provisória foi editada por Bolsonaro e é um instrumento que tem tramitação mais célere no Congresso. É comum parlamentares e o governo usarem esse instrumento para incluir emendas e acelerar propostas legislativas de interesse próprio. Quando isso ocorrer, as emendas são chamadas de jabutis.
Os procuradores argumentam que o STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu contra o uso de jabutis e que a prática é inconstitucional.
A nota técnica diz ainda que, segundo convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) ratificada pelo Brasil, alterações na CLT precisam passar por discussão em um grupo formado por governo e representantes dos trabalhadores e dos empregadores.
No pacote trabalhista aprovado pela Câmara, há a criação de três programas trabalhistas.
O Requip (regime de qualificação profissional), voltado para jovens, desempregados e pessoas carentes, prevê a criação de bônus (bolsa) de até R$ 550 por mês pago ao trabalhador em treinamento. O contrato está vinculado a um curso de qualificação profissional. Após um ano, o trabalhador tem direito a um recesso remunerado de 30 dias. Não há previsão de 13º nem de FGTS.
“O afastamento artificial da natureza do vínculo firmado encontra-se em rota de colisão com o próprio princípio do valor social do trabalho”, critica o MPT.
Segundo o governo, o Requip não é uma relação de emprego e “não difere substancialmente do que se verifica na Lei de Estágio, em que igualmente não são devidos direitos trabalhistas, dada a natureza fim que é qualificação laboral.”
Outro tipo de contratação previsto foi pedido por Onyx, o Programa Nacional Prestação de Serviço Social Voluntário. Ele permite que prefeituras possam contratar temporariamente pessoas para serviços.
Nesse caso, não há previsão de férias, nem 13º pagamento, nem FGTS. Mas, como a política ainda depende de regulamentação das prefeituras, isso pode mudar.
A nota dos procuradores ressalta que os direitos assegurados “seriam o valor horário do salário mínimo, o vale-transporte e, apenas eventualmente, alimentação, em total desacordo” com a Constituição.
Dos três programas do projeto aprovado, o único que prevê vínculo empregatício é o Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego). Férias e 13º estão garantidos. Mas, nesse tipo de programa, haverá uma redução do recolhimento para o FGTS dos empregados.
Em relação às mudanças na CLT, o texto estende o critério de dupla visita, considerado por críticos como uma flexibilização da fiscalização trabalhista, para todas as companhias.
Conforme a medida, a empresa só será autuada na segunda vez que um auditor visitar a empresa. A primeira visita serve como orientação.
Segundo os procuradores, isso também valerá para os casos de trabalho análogo ao trabalho escravo e infantil.
“Retiram-se, assim, poderes punitivos e inibitórios da inspeção do trabalho, o que pode resultar em estímulo à prática de ilicitudes e incremento de acidentes, mortes e adoecimentos nas relações laborais”, diz o documento.
Outra mudança é que, após receber um auto de infração trabalhista, a empresa poderá recorrer a um conselho, que hoje não existe. Essa nova instância seria então anterior à esfera judicial.
Para o MPT, a criação do conselho, que será formado por auditores e representantes dos trabalhadores e também dos empregadores, pode gerar o “risco de se submeter a análise de tais documentos a critérios políticos e de conveniência”.
O projeto também cria uma regra limitando o pagamento de bônus por empresas a funcionários. O teto é de até quatro vezes por ano (uma a cada trimestre). A legislação atual não prevê uma regra para esses pagamentos.
Um artigo incluído no texto aprovado pela Câmara acaba com a jornada máxima de seis horas diárias para os trabalhadores de minas em subsolo. A jornada da categoria poderá subir para até 12 horas diárias.
Isso, segundo os procuradores, fere o dever previsto na Constituição de “redução dos riscos inerentes ao trabalho”.
Outro item permite a redução do adicional de horas extras para atividades e profissões com carga horária diferenciadas, como professores e jornalistas.
Pontos questionados pelo Ministério Público do Trabalho
Programas trabalhistas e mudanças na CLT foram inseridos numa medida provisória que não tratava desses assuntos
Essas alterações em proposta que já está tramitando no Congresso são inconstitucionais, segundo o MPT
Programas trabalhistas não prevêem direitos constitucionais, como 13º e FGTS, o que fere a Constituição
Projeto fragiliza inspeção do trabalho e, segundo MPT, pode gerar aumento de acidentes e infrações
Teto para pagamento de bônus a empregado, fim de jornada máxima para mineiros e redução de adicional para jornadas diferenciadas (professor e jornalista) não poderiam entrar na medida provisória
Mudanças na CLT, segundo procuradores, precisam ser debatidas em comissão entre governo, trabalhadores e patrões
Fonte: Folha de São Paulo