Regulamentar tokenização é chave para alavancar o mercado de criptoativos

A tokenização – forma de incluir ativos digitais na rede de blockchain – está entre as principais questões que carecem de regulamentação no mercado de criptomoedas. O desafio maior está em mapear todas as possibilidades de criação e usos de tokens, que são representações digitais de um ativo. Eles podem ser usados para cessão de recebíveis, títulos de dívida e certificados de propriedade de joias, obras ou frações de imóveis. Nesse último caso, certos modelos despontam como alternativa mais barata para algumas transações, por buscarem simplificar ou eliminar procedimentos em cartórios exigidos pela legislação.
“A tokenização permite a criação de uma base de dados segura, rastreável, transparente e com comodidade operacional”, explica o advogado Isac Costa, professor do Ibmec e do Insper. “E isso possibilita que consumidores tenham acesso a novos serviços como, por exemplo, precatórios, que são difíceis de achar quem quer vender e quem quer comprar.”
A visão do mercado é que o Banco Central (BC) já está capitaneando o processo de regulamentação do mercado de criptoativos, com um Grupo Interdepartamental para discutir a tokenização. Além disso, está previsto para 16 de maio a realização de um workshop para debater a questão e que será dividido em três subeixos temáticos: economia e finança; tecnologia da informação; e Direito e Regulação.
O evento contará com trabalhos de pesquisadores, acadêmicos e do público em geral sobre economia digital em cada um dos subeixos. A expectativa é que os participantes apresentem arcabouços teóricos e resultados para a operação de uma economia digital, seja com o foco em moedas digitais de emissão governamental ou privada, ativos tokenizados ou criptoativos.
“Com isso o BC busca se aprofundar em questões relacionadas à economia digital que podem afetar a economia em prazos mais longos, e que nem sempre estão na agenda de discussões cotidianas da indústria e dos formuladores de políticas”, destaca o banco, em nota.
Juliana Strohl, head de Legal e Compliance da Kamino, lembra que, desde 2021, o BC autorizou a emissão de tokens no sistema financeiro e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) seguiu os mesmos passos, com o lançamento, no fim de 2022, do Parecer de Orientação CVM 40, que normatiza os criptoativos na condição de valor mobiliário, além de definir a taxonomia dos tokens de negócio, dividindo-os em categorias. “Esses foram os primeiros passos, de grande importância, na direção de incorporar por completo a tokenização às atividades econômicas e financeiras”, destaca.
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No processo de criação de regras para tokens, outros órgãos assumem competências subsidiárias às do BC e da CVM, entre os quais estão a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Segundo o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Criptoeconomia (Abcripto), Rodrigo Monteiro, é preciso ainda preparar outros órgãos para operar o novo modelo. “Entre os quais estão o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), a Receita Federal e órgãos de Justiça, incluindo a esfera policial”, enumera.
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Entre os principais tipos de tokens existentes atualmente estão:
• Payment token: ativos digitais aplicados em pagamentos e transações;
• Security token: valores mobiliários convertidos em digitais, como participações em empresas;
• Utility token: oferecem um direito ou utilidade, como cupons de desconto e acessos exclusivos a locais;
• Tokens não fungíveis (NFTs, na sigla em inglês): registros únicos em uma rede descentralizada que podem representar tanto bens materiais, como obras de arte e joias, ou bens puramente digitais, como imagens e itens para uso em jogos.
• Stablecoins: criptoativos que buscam combater a volatilidade de preço por meio do lastro em ativos estáveis, usualmente moedas fiduciárias, conectando as estruturas de pagamento descentralizadas (DLT) e as moedas fiduciárias.
• Central Bank Digital Currencies (CBDC): moeda digital emitida e administrada pelo banco central de seu respectivo país e que geralmente roda em blockchain ou em DLT, sigla em inglês para livro contábil distribuído.
Agilidade na atualização de regras
Costa alerta que, por envolver tecnologia, o mercado dos ativos digitais está evoluindo rapidamente e exigirá dos órgãos reguladores agilidade na atualização de regras. No entanto, ele destaca que é natural que a regulação não tenha o mesmo ritmo do desenvolvimento da tecnologia. “Geralmente a lei não consegue acompanhar o mercado e regular com rapidez fenômenos disruptivos”, afirma.
Segundo ele, o mercado cripto ainda carece de ter mais credibilidade, e essa construção leva tempo. “Por isso, é importante que as normas abordem os diversos aspectos de tokenização, pois, caso contrário, haverá insegurança jurídica.”
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Monteiro enumera questões que precisam ser respondidas ao se regulamentar a questão. Entre as quais estão as características e os requerimentos necessários para que pessoas possam tokenizar um bem, produto ou serviço e garantir que esse sistema funcione. Além disso, é preciso prever condições para se interromper uma atividade ou reparar danos dela decorrentes. “É preciso regulamentar cada uma das classificações de tokens existentes, da mesma forma que temos regras específicas, por exemplo, para veículos diferentes, como carros, motos e caminhões”, complementa.
Para o advogado e empreendedor Rafael Steinfeld, fundador da Steinfeld Advocacia, Fiscochain e MyKYC, a questão da tokenização deveria ter sido abordada na Lei 14.478/2022, que estabelece diretrizes para atuação de corretoras de criptomoedas no Brasil. “A nova legislação não aborda questões relacionadas à tokenização de ativos, principalmente àqueles que possuem características de valor mobiliário, o que foi uma perda de oportunidade para fomentar a inovação no Brasil”, declara.
Segundo Steinfeld, no mínimo a lei deveria ter previsto conceitos e permitido expressamente a tokenização de ativos mobiliários por meio de rede descentralizada e distribuída, além de prever prazo máximo para que o órgão regulador responsável – no caso, a CVM – editasse norma específica. “Para a alteração dessa lei, teria que ter uma nova discussão em outro projeto de lei, o que não foi cogitado até o momento”, diz o advogado.
Costa, por sua vez, acredita que, por ser um tema muito técnico, a questão da tokenização será melhor detalhada em norma infralegal de órgãos especializados que, a seu ver, podem fazer um trabalho melhor que o Congresso.
Brasil está bem posicionado no mercado cripto e na tokenização de ativos
Especialistas estão otimistas com relação ao potencial do Brasil no mercado de criptomoedas e destacam que, de forma geral, está na fronteira da inovação tecnológica. “Com o Real Digital, o Sandbox (ambiente de testes controlados para produtos inovadores) da CVM e BC e o Lift Learning, o Brasil está com um dos maiores processos de tokenização do mundo”, destaca Costa.
Monteiro diz que poucas vezes viu o Brasil tão bem posicionado. Segundo ele, o fato de os Estados Unidos e a Europa ainda assim estarem à frente do Brasil na implementação da tokenização da economia possibilita ao país aprender com as experiências e falhas internacionais. “Isso nos permite pular alguns níveis de aprendizado e preparar uma regulamentação mais adequada à realidade”, explica.
Ao menos, 14 projetos de lei relacionados a criptoativos tramitam no Congresso Nacional, sendo seis na Câmara dos Deputados e oito no Senado Federal. As abordagens das proposições são diversas, como regulação de penhora de ativos digitais, emissão de moeda em formato digital e até remuneração de trabalhadores com criptomoedas. Para especialistas ouvidos pelo Jota, o mais relevante deles é o PL 2681/2022, de autoria da senadora Soraya Thronicke (União-MS), que pretende instituir a obrigatoriedade da segregação patrimonial.
Diversos países também estão à procura de uma regulação adequada para os criptoativos, a exemplo da Austrália que, ao final do ano passado, iniciou o mapeamento de tipos de tokens para conhecer melhor o segmento no país e propor uma regulação para o setor.
“Para isso, o país preparou uma consulta pública buscando lacunas nas estruturas regulatórias e de autorização. O objetivo é garantir que os clientes sejam adequadamente informados e protegidos”, destaca Strohl.
Para a especialista, o ambiente regulatório favorável, a sinergia entre os reguladores e as empresas privadas e o crescimento sustentado pela adoção de ativos digitais fazem do Brasil um dos países mais amigáveis às criptomoedas em todo o mundo.
Mazé de Souza – Repórter freelancer


Fonte: JOTA

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