Nova regra fiscal limitará crescimento das despesas federais a 70% da alta da receita
Mesmo com vinculação, haverá travas para crescimento máximo e mínimo dos gastos
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe em seu desenho de regra fiscal que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço das receitas projetado para o mesmo ano, segundo informações obtidas pela Folha.
Na prática, o governo pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que cresceriam em ritmo menor do que a arrecadação, de forma a fazer as contas melhorarem nos próximos anos e saírem do vermelho.
Além disso, a regra vai prever um intervalo para a meta de resultado primário a cada ano, como uma espécie de banda para flutuação. O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, há uma meta única definida anualmente.
O objetivo da proposta é substituir o teto de gastos, regra fiscal em vigor que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.
O novo marco fiscal foi apresentado a Lula em seu formato final pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião nesta quarta-feira (29) no Palácio da Alvorada. Na sequência, Haddad se dirigiu à residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para apresentar a proposta a lideranças da Casa.
O desenho foi pensado para que os gastos tenham um aumento real (acima da inflação), mas em ritmo mais moderado do que o avanço das receitas —combinação considerada crucial para obter uma redução gradual do déficit público e estabilizar a dívida pública.
A previsão do governo é que o déficit, projetado em 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, seja zerado já em 2024, conforme mostrou a Folha. Em 2025, a estimativa indica superávit (arrecadação maior do que gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB.
Nas discussões internas, o governo chegou a fazer simulações com diferentes percentuais de 50%, 70% ou 80% sobre o aumento na arrecadação. A definição dessa proporção é, na prática, o que ditará a velocidade do ajuste nas contas do país.
Segundo interlocutores do governo, uma ala queria definir já na largada um percentual mais restritivo para a alta das despesas em relação às receitas, de 60%, mas acabou prevalecendo um ponto intermediário.
O percentual de vinculação entre despesas e receitas será fixo, embora a cada ano sua aplicação sobre as novas estimativas leve a números diferentes de espaço no Orçamento.
A ideia é que, ao projetar o crescimento da receita para o ano seguinte, o governo obtenha, como consequência, o limite de avanço da despesa. No cenário em que a estimativa de alta da arrecadação seja 2% em termos reais e o percentual de aumento de gasto sobre ela de 70%, a elevação na despesa poderia ser de até 1,4%. Os números são ilustrativos.
Além disso, o percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.
Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.
O limite deve ser abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem. São gastos aprovados por emenda constitucional.
Pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.
Por isso, a tendência é que o governo inclua algumas travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.
A ideia é prever que o crescimento da despesa siga a receita, mas até um percentual limite.
De forma análoga, se as receitas despencarem, a alta de gastos respeitará um piso a ser indicado na proposta de nova regra fiscal —que também será um número percentual, segundo integrante da equipe econômica.
Além de reduzir o viés pró-cíclico da proposta, a avaliação no governo é que esses mecanismos tiram qualquer eventual incentivo de superestimação de receitas —justamente o que ocorria quando a principal referência das contas públicas era o resultado primário.
Antes do teto de gastos, aprovado em 2016, o Congresso incluía no Orçamento previsões de receitas apenas para criar lastro à ampliação de despesas. Depois, quando a arrecadação era frustrada, o governo precisava contingenciar gastos ou mudar a meta fiscal.
Com a trava idealizada pelo governo Lula, mesmo que os parlamentares ampliem as projeções de receitas, haveria um limite para o avanço das despesas. A partir de determinado patamar, qualquer arrecadação adicional (prevista ou efetivamente realizada) apenas ampliaria o diferencial —ou seja, melhorando o resultado primário e contribuindo para a estabilização e redução da dívida pública.
Em outro cenário, se houver frustração de receitas durante o exercício, o governo ainda precisaria cumprir a meta de resultado primário estipulada no Orçamento. Isso significa, eventualmente, conter despesas para evitar violação à regra.
Como mostrou a Folha, o novo marco fiscal deve ter gatilhos de ajuste ligados ao resultado primário.
Presente na reunião de lideranças com Haddad, o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) confirmou o percentual de 70% antecipado pela Folha e disse que, se o governo descumprir a meta de primário, a variação do crescimento das despesas cairá a 50% da alta de receitas no ano seguinte.
Os instrumentos de ajuste são uma sinalização importante dentro de um marco fiscal que mira o médio prazo e terá nas projeções para esse horizonte um alicerce para tentar convencer investidores de que as contas são sustentáveis.
A proposta de atrelar a restrição do gasto à dívida, que é defendida por muitos economistas que redigiram sugestões de regras fiscais, foi descartada por técnicos e autoridades ouvidos sob reserva pela reportagem. Os indicadores de endividamento devem funcionar apenas como referência.
Na chegada à reunião do governo com integrantes da Câmara, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que a nova regra já estava validada por Lula, que determinou a apresentação dos termos da proposta aos membros do Congresso. Ele evitou citar detalhes da nova regra, mas disse que ela terá \”compromisso com a responsabilidade fiscal\”.
O ministro disse ainda que o governo buscará obter o mais rápido possível uma definição de quem será o relator do projeto na Câmara. O relator é uma figura central, pois ele que fará o trabalho de análise, discussão e apresentação de um parecer com eventuais mudanças.
Na reunião com lideranças, os parlamentares manifestaram um desejo de ter uma regra específica para permitir a destinação de receitas extraordinárias a investimentos, evitando a repetição do que se viu sob o teto de gastos: um peso grande dos cortes de gastos sobre obras e outros investimentos. Segundo Benevides Filho, Haddad ficou de analisar o pedido dos congressistas.
Fonte: Folha de São Paulo