Mercado espera que âncora fiscal controle despesas e não seja focado no aumento de receitas
BRASÍLIA – Às vésperas da divulgação da nova regra fiscal, o mercado financeiro espera que, para ser efetivo, o novo arcabouço tenha controle sobre as despesas e não seja focado apenas no aumento das receitas para estabilizar o crescimento da dívida pública nos próximos anos.
Números que têm circulado nos últimos dias entre os analistas do mercado apontam que uma regra global de despesa crescendo com base no Produto Interno Bruto (PIB) per capita contribuiria com um ajuste anual de apenas 0,12% do lado dos gastos. Um ajuste considerado muito lento na avaliação dos analistas, que já dão como praticamente certo que o grande “protagonista” do arcabouço fiscal será mesmo o aumento de receitas.
Projeções indicam a necessidade de um aumento de R$ 100 bilhões de arrecadação gerada pela segunda etapa da reforma tributária, que trata das mudanças no Imposto de Renda, para as contas públicas saírem do vermelho.
Para o crescimento da dívida pública se estabilizar e voltar a cair, o esforço fiscal necessário exigido pode chegar a R$ 300 bilhões, para que o resultado das contas públicas saia de um déficit de 1% do PIB, estimado em 2023, para um superávit de 2%.
Há dúvidas, porém, se o governo conseguirá aprovar no Congresso uma reforma com aumento da carga tributária nessa magnitude, o que aumenta as incertezas. Há uma desconfiança crescente de que o novo arcabouço será mais frouxo para estabilizar o crescimento da dívida pública nos próximos anos do que se esperava.
“Ao jogar a responsabilidade para a receita de fazer este trabalho, há sérios riscos de enfrentarmos fortes resistências do Congresso e da sociedade ao aumento da carga tributária”, disse Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista da Asa Investments. “E, aí, a regra deixaria de cumprir o seu principal papel, que é manter a dívida em trajetória sustentável”, acrescentou.
Segundo ele, é preocupante a ausência de perspectivas de ter uma contribuição significativa da despesa para se alcançar os resultados necessários para estabilizar a dívida.
“É improvável que a regra que venha a ser proposta seja mais dura do que a despesa toda crescendo com base no PIB per capita, que já faz um ajuste muito lento do lado da despesa”, avaliou. Ele alertou que a despesa cairia com proporção do PIB se a população estivesse crescendo. Mas a perspectiva é de a população crescer cada vez menos e, em pouco mais de 20 anos, esta contribuição se torna cada vez mais insignificante. Para ele, é difícil construir expectativa com base num cenário que conta muito com a arrecadação futura.
O ponto central que ronda as análises das instituições do mercado é que, quanto mais rápido for o processo decisório do presidente Lula, maior será o poder do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na governança sobre o texto final. E vice-versa. Se o anúncio passar desta semana, Haddad ficará mais exposto ao escrutínio de várias instâncias dentro e fora do governo, perdendo o protagonismo na definição do projeto.
Haddad informou que terá hoje uma reunião conclusiva para bater o martelo sobre o novo arcabouço fiscal. De acordo com ele, a nova âncora será divulgada ainda nesta semana.
Frustração
Economistas avaliam que as falas de Haddad sobre a divulgação da nova regra acabaram frustrando expectativas do mercado. “Ia ser antes do Copom; depois, antes da viagem à China; agora, nos próximos dias. Isso vai gerando uma ansiedade no mercado e dúvidas se é só uma questão de ajustar os detalhes ou se há pontos que ainda não foram concordados”, avalia o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale.
“A sensação que dá é de que, na reunião com o presidente Lula, algo não deu certo. Se essa regra não sair logo, vai ser muito ruim”, afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos e professor da PUC-Rio. Ele avalia que, para o arcabouço ser eficaz, precisa não só ter uma regra de controle de despesas capaz de estabilizar a trajetória da dívida, mas também gatilhos que sejam acionados quando os gastos baterem o limite estabelecido.
Megale afirma que há preocupações de que algumas despesas fiquem fora da regra, como gastos com saúde e educação. “Uma regra que vale para todas as despesas dá mais previsibilidade e força a escolher, a ajustar dentro da regra geral, o que é mais prioritário para a sociedade.”
Fonte: Estadão