CNJ busca alcançar paridade de gênero no Judiciário em dez anos

O fato de apenas 38% da magistratura brasileira ser composta por mulheres, combinado à tendência de queda da representação feminina na carreira, tem feito o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscar formas de acelerar a busca por equidade de gênero no Judiciário. A partir deste mês, a conselheira Salise Sanchonete inicia a apresentação ao órgão de medidas e propostas que estão em andamento. Ela é supervisora do grupo de trabalho para elaboração de estudos, análise de cenários, eventos de capacitação e diálogo com os tribunais sobre o cumprimento da política nacional de incentivo a participação institucional feminina no Poder Judiciário.
Em entrevista ao JOTA, a conselheira afirmou que o ideal é alcançar a paridade de gênero em um prazo máximo de dez anos. “Gostaríamos de ter em todos os tribunais do país mulheres e homens em composição paritária, e ainda nós gostaríamos que isso atendesse um critério de interseccionalidade de raça e de etnia. O percentual das mulheres negras na magistratura é de 6%, isso não representa o que nós temos hoje na sociedade”, pontuou.
Uma das propostas a serem discutidas para minimizar as barreiras no acesso aos tribunais, segundo ela, é a adoção de uma compensação para permitir a promoção de mais mulheres. Há, por exemplo, um pedido para exclusão dos períodos de licença-maternidade e de lactação da aferição dos critérios objetivos de pontos na hora da de promover uma juíza. “São períodos que efetivamente afetam a produtividade e atividades, como investimento na formação. Uma mulher que está amamentando ou que está em gestação, e, muitas vezes, gestação de risco, não tem condições de fazer cursos de capacitação, de viajar para fazer cursos. Essas questões precisam ser olhadas de outra forma”, destacou.
A conselheira ressaltou que há base científica para a discussão e citou a dissertação de mestrado feita pela juíza Mariana Yoshida, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. De acordo com a pesquisa, em relação aos magistrados da carreira, as mulheres têm menos filhos, se separam em um índice maior do que os juízes e não conseguem acompanhar no mesmo ritmo a capacitação que os magistrados. “Portanto, elas pontuam menos quando há promoção. São fatos que vamos ter que enfrentar.”
O desafio se estende ao combate à desigualdade de gênero na condução dos casos judiciais. Recentemente, o CNJ estabeleceu o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, mas, segundo a conselheira, existe a percepção de que não basta a recomendação. “Queremos transformar essa recomendação em resolução, que obrigaria os tribunais a tomarem medidas mais concretas e a fazerem mais cursos de capacitação para servidores e juízes que atuam nessas matérias”, declarou.
Apesar das barreiras, Sanchonete também vê avanços. “Notamos uma diferença em listas tríplices que estão sendo formadas agora nos tribunais só com mulheres. Isso muito vem em razão de a gente estar dando visibilidade ao tema falando a respeito“, disse.
Leia trechos da entrevista:
Levantamento mais recente do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), feito em 2019, indica que as juízas representam apenas 38,8% do total de magistrados no país. O que o CNJ tem feito para combater essa desigualdade de gênero?
Temos uma política nacional de incentivo à participação feminina instituída pela resolução 255 no ano de 2018, ainda quando presidiu o CNJ a ministra Cármen Lúcia e existem várias ações que estão sendo empreendidas para tentar aumentar os percentuais de participação feminina, que ainda são muito ruins. Entre as propostas produzidas no evento que fizemos no ano passado, muitas sugestões vieram com medidas concretas. Gostaríamos de ter em todos os tribunais do país mulheres e homens em composição paritária, e ainda nós gostaríamos que isso atendesse a um critério de interseccionalidade de raça e de etnia. O percentual das mulheres negras na magistratura é de 6%, isso não representa o que nós temos hoje na sociedade. Gostaríamos de alcançar esse resultado em um prazo máximo de dez anos.
Para acelerar esse percentual, por exemplo, nós temos estudos científicos como uma dissertação de mestrado que se produziu na escola nacional de formação de magistrados, feita pela juíza Mariana Yoshida, que é do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. A dissertação descreve várias barreiras que as mulheres enfrentam na carreira da magistratura. Em comparação com os magistrados da carreira, as mulheres têm menos filhos, se separam em um índice maior do que os juízes, as magistradas com filhos, já se constatou que elas não conseguem acompanhar no mesmo ritmo a capacitação que os magistrados. Portanto, elas pontuam menos quando há promoção. São fatos que vamos ter que enfrentar.
Além dessas barreiras, quais outros desafios a serem enfrentados?
No momento, os principais estão no incremento dessa política nacional de participação feminina. Nós temos que ter ferramentas que minimizem as barreiras já identificadas para acesso aos tribunais. Por exemplo, criando uma forma de compensação ou diferença de tratamento que permitam a promoção de um número maior de mulheres nos próximos anos. Uma das propostas que nós temos que estudar diz respeito àquelas mulheres que são responsáveis por pessoas com deficiência ou doença grave. Uma sugestão é estabelecer um percentual de pontos distintos de promoção como forma de compensação por essa jornada pesada que elas têm no aspecto familiar.
Também há um pedido para que os períodos de licença-maternidade e de lactação sejam excluídos da aferição dos critérios objetivos de pontos na hora de promover uma juíza. São períodos que efetivamente afetam a produtividade e outras atividades como o investimento na formação. Uma mulher que está amamentando ou que está em gestação, e, muitas vezes, gestação de risco, não tem condições de fazer cursos de capacitação, de viajar para fazer cursos. Essas questões precisam ser olhadas de outra forma.
E em relação aos avanços, o que é possível apontar?
A maior conquista que eu vejo é a visibilidade dessa temática. Antes não se falava nisso e hoje nós temos números concretos, temos um censo do Judiciário que foi feito em 2018, com dados que estão sendo atualizados pelo CNJ e que mostram que essa estagnação continua igual, nada evoluiu de 2018 para cá. Mas estamos conseguindo falar sobre isso e dar visibilidade a essa temática. Embora não tenha havido uma atitude concreta, notamos uma diferença, por exemplo, em listas tríplices que estão sendo formadas agora nos tribunais só com mulheres. Isso muito vem em razão de a gente estar dando visibilidade ao tema falando a respeito. Tivemos agora no Tribunal Superior do Trabalho (TST) uma lista exclusiva de mulheres. Também tivemos no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). São situações assim que a gente vê que, em razão de dar visibilidade ao tema, estamos conseguindo transformar essa realidade.
Mas também é preciso avançar em outras áreas, como no CNJ. Desde que o CNJ existe, só 20% das vagas foram ocupadas por mulheres. As mulheres no CNJ são indicadas por diversos órgãos. O Senado Federal, que indica uma vaga de conselheiro, nunca indicou uma mulher. A OAB, que tem duas cadeiras no CNJ, também nunca indicou uma mulher. Se o órgão de cúpula do Poder Judiciário, que traça políticas para todo o Poder Judiciário, não tem representatividade feminina adequada, nós não podemos ter uma política que funcione também para essa finalidade, de aumentar a participação feminina. Temos que trabalhar em várias frentes, não é só o acesso aos tribunais, é mais mulheres em bancas de concursos, mais mulheres na composição dos órgãos de cúpula, mais juízas auxiliares de corregedoria e de presidência, mais juízas diretoras de foro. Enfim, todos os espaços de poder queremos que sejam preenchidos por mulheres. Hoje, o que nós temos no levantamento é que a predominância é masculina em todos esses cargos.
Esses núcleos de participação feminina são muito importantes. Vemos que as carreiras jurídicas estão formando grupos para trabalhar a questão da participação feminina, isso não é uma exclusividade do Poder Judiciário. Essa falta de paridade de gênero acontece em todas as carreiras jurídicas e nós queremos simplesmente que os órgãos de cúpula estejam representados como a sociedade é hoje.
Recentemente, o CNJ estabeleceu o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. Como tem sido feito esse trabalho de combate à desigualdade de gênero na condução dos casos judiciais?
Temos um trabalho fortíssimo no CNJ em relação ao tratamento dado às mulheres vítimas de violência doméstica. Há um incremento das medidas protetivas em favor das mulheres vítimas de violência doméstica ao longo dos últimos anos, isso demonstra, portanto, que continua havendo uma escalada de violência muito grande. Temos feito muitas ações para tentar minimizar esses fatos, um trabalho muito efetivo junto aos tribunais de Justiça que cuidam dessa matéria e também junto aos órgãos municipais que recebem essas mulheres vítimas de violência no primeiro momento. Estamos discutindo esse documento aprovado no CNJ, que é o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. Esse documento prevê instrumentos para um juiz ou juíza quando tiver que decidir uma questão envolvendo uma mulher vulnerável, para ver aquela mulher sem estereótipos, sem preconceitos, para que ela tenha no sistema de Justiça um tratamento mais humanitário. Esse protocolo faz parte de uma recomendação do CNJ para os juízes usarem. Temos visto que não basta uma recomendação, queremos transformar essa recomendação em resolução, que obrigaria os tribunais a tomarem medidas mais concretas e a fazerem mais cursos de capacitação para servidores, juízes que atuam nessas matérias.
Grasielle Castro – Repórter freelancer


Fonte: JOTA

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