Americanas pagou o dobro em dividendos que seus principais concorrentes
Foram cerca de R$ 2 bi na última década; no mesmo período, Magalu distribuiu R$ 1,1 bi e Via, R$ 1 bi
Nicola Pamplona
Rio de Janeiro
No centro de um escândalo contábil que a levou a pedir recuperação judicial, a Americanas distribuiu mais de R$ 2 bilhões em dividendos a acionistas na última década. O valor é bem superior ao pago por algumas das maiores varejistas do país.
Para especialistas, a diferença reflete uma política de dividendos mais agressiva do que a de suas concorrentes, que passaram os últimos anos mais focadas em crescimento do que em remunerar acionistas.
Levantamento feito por Einar Rivero, da consultoria TradeMap, mostra que, entre 2013 e o terceiro trimestre de 2022, a Americanas distribuiu R$ 2,1 bilhões a seus acionistas, em valores corrigidos pela inflação do período.
É praticamente o dobro dos R$ 1,1 bilhão distribuídos no mesmo período pela Magalu e dos R$ 1 bilhão distribuídos pela Via Varejo, em valores também corrigidos pela inflação. A Americanas ainda não comentou o assunto.
Nesta quinta-feira (19), em meio a uma batalha judicial com seus maiores credores após o anúncio de um escândalo contábil, a companhia entrou com pedido de recuperação judicial para equacionar uma dívida de R$ 43 bilhões.
A empresa não vinha contabilizando devidamente como dívida operações de crédito para financiar a compra de mercadorias junto a fornecedores ao longo dos últimos anos, estratégia que veio a público na semana passada.
Especialista em renda variável na Nexgen Capital, Heitor Martins diz que a empresa sempre teve uma estratégia mais agressiva em relação ao pagamento de dividendos do que suas concorrentes, mas que ainda não é possível relacionar a estratégia contábil à maior oferta de recursos para os acionistas.
\”Quando uma empresa não coloca a dívida no balanço, que é o que está acontecendo com Americanas, tem fluxo de caixa maior, o que possibilita distribuição maior de dividendos, tanto para majoritários quanto para minoritários\”, afirma.
\”Mas não se pode cravar isso [no caso da Americanas], porque ainda precisa de auditoria oficial para ver qual foi o tamanho real do problema\”, pondera.
Em 2022, os acionistas da Americanas aprovaram a distribuição de R$ 516 milhões, o equivalente a 95% do lucro registrado no ano anterior —o restante seria destinado a reserva legal. Até setembro, segundo o levantamento feito por Rivero, haviam sido pagos R$ 338,6 milhões, em valores corrigidos.
Considerando a inflação, é o segundo maior dividendo já distribuído pela companhia em um mesmo ano, atrás apenas dos R$ 344,6 milhões de 2020.
Entre os maiores beneficiários da política de dividendos da companhia, estão o chamado grupo de acionistas de referência, formado pelos bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que têm 31% da companhia.
Outros grandes acionistas são as gestoras de fundos de investimento Capital Group (9,91%), Blackrock (5,05%) e a TIAA Cref, que administra aposentadorias de professores dos Estados Unidos (6,05%).
Quase metade do valor distribuído pela Americanas a seus acionistas na última década foi concentrada entre 2020 e 2022. No mesmo período, a empresa também ampliou significativamente a remuneração de seus executivos.
Entre 2020 e 2021, o valor médio pago a diretores praticamente dobrou, passando de R$ 4,3 milhões, em valor corrigido pelo IPCA, para R$ 8,5 milhões. A proposta para 2022 previa uma média de R$ 11,8 milhões em salários, bônus e ações.
Os elevados ganhos da diretoria da Americanas são citados pelo escritório Antonelli Advogados em proposta a investidores para abrir uma ação coletiva contra a empresa nos Estados Unidos, na tentativa recuperar a perda com o derretimento das ações após o anúncio do escândalo contábil.
Fonte: Folha de São Paulo