Senado adia votação de manobra na Lei das Estatais após repercussão negativa

Mudança que abre portas de estatais para partidos deve ficar para 2023
Catia Seabra Renato Machado Matheus Teixeira
Brasília
Após a repercussão negativa ao longo da semana, o Senado decidiu não incluir na pauta de votação desta quinta-feira (15) o projeto que altera a Lei das Estatais. Na prática, a manobra facilitaria indicações da classe política para cargos em empresas públicas e agências reguladoras, como a do petista Aloizio Mercadante para o BNDES.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que ainda não há consenso em torno da proposta e que por isso ela não seria analisada. Pacheco também não se comprometeu a incluí-la na pauta da próxima semana.
\”É uma transformação importante no ordenamento jurídico na Lei das Estatais e nós temos que amadurecer, conhecer o texto, discuti-lo. Como já foi publicada a pauta da sessão de hoje [quinta], não será incluída extra-pauta\”, afirmou.
Segundo ele, ainda será avaliado se a votação ficará para 2023. \”Nós ainda temos a próxima semana de trabalho no Senado. Não há nada definido em relação a isso. O que eu tenho percebido com líderes do Senado é a necessidade de uma melhor reflexão a respeito. Então não quero afirmar que vai ficar para o ano que vem, mas não necessariamente será agora nesta semana e pode não ser na próxima também\”, completou Pacheco.
Ele ainda disse ser possível que a proposta tome um caminho de tramitação mais longo, seguindo primeiro para comissões, antes de ser votada no plenário.
O líder do governo Bolsonaro no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), apresentou requerimento solicitando que a matéria, cuja votação era inicialmente prevista para esta quinta-feira (15), seja analisada antes pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
O requerimento apresentado defende a análise da CCJ para evitar que uma norma dessa importância seja modificada \”ao bel-prazer dos interesses de ocasião\”.
\”O que nós temos observado no Senado é justamente isso, que nesses temas em que há mais polêmica, é difícil você levar direto para o plenário uma pauta que não tenha tanto consenso. E aí pode ser recomendado se passar por uma das comissões da Casa e neste caso da Lei das Estatais é a Comissão de Constituição e Justiça\”, completou.
Após o desgaste envolvendo a indicação de Mercadante para o BNDES —que seria beneficiado justamente pela manobra—, a bancada do PT na Casa indicou que não iria se opor à mudança no cronograma.
A sigla argumenta nos bastidores que o centrão é o principal beneficiado pela mudança, não Mercadante.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) também liderou o movimento para barrar a aprovação na mudança na Lei das Estatais. A avaliação feita pelo emedebista em conversas reservadas é que a mudança na legislação poderia dar muito poder ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), seu adversário na política alagoana.
Isso porque as empresas públicas estavam sendo vistas como uma forma de o governo eleito contemplar aliados de Lira e ajudar na formação da base aliada no Legislativo. Quase metade dos deputados não se reelegeu e grande parte deles é próxima de Lira e estava de olho em cargos estratégicos em estatais.
O cálculo no Senado é que seria arriscado pautar o tema sem o apoio da bancada do MDB, que ficou ao lado de Renan na disputa. Os partidos Podemos e PSDB já avisaram que vão trabalhar para vetar a proposta e, com a ajuda do MDB, isso poderia se tornar realidade.
A perspectiva de que a Lei das Estatais, já aprovada de modo relâmpago na Câmara, encontre no Senado maiores dificuldades para avançar acalmou em parte o mercado financeiro, que temia a desvalorização de grandes empresas públicas, como Petrobras e Banco do Brasil. Dado o grande peso delas no mercado de ações, uma queda no valor dos papéis afeta a Bolsa como um todo.
Nesta quinta, com o adiamento da votação no horizonte, o Ibovespa fechou o dia em estabilidade, após operar no terreno positivo impulsionado justamente pelos papéis das empresas sob controle do governo. As ações ordinárias da Petrobras, que tombaram quase 10% na sessão passada, encerraram o dia em alta de 2,5%, enquanto as do BB, que caíram 2,5%, avançaram 2,8%.
Aponta-se que outro interessado na medida seria o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que precisa dessa redução de tempo para conseguir realizar nomeações. Deputados bolsonaristas e governistas votaram em peso para mudar a Lei das Estatais, com o partido de Bolsonaro, o PL, orientando a bancada nesse sentido.
Mudança foi inserida em texto sobre publicidade e aprovada a toque de caixa
Na noite de terça, a toque de caixa, os deputados federais aprovaram o projeto que reduz para 30 dias a quarentena de indicados a ocupar cargos de presidente e diretor das empresas públicas.
Atualmente, a Lei das Estatais veda a indicação para esses cargos de pessoas que tenham atuado, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.
O texto aprovado pelos deputados retira da lei a menção aos 36 meses. Além disso, inclui dispositivo que prevê que, para não haver vedação, a pessoa que tiver atuado em estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a campanha eleitoral deve comprovar o seu desligamento da atividade incompatível com antecedência mínima de 30 dias em relação à posse como administrador de empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como membros de conselhos da administração.
A aprovação aconteceu algumas horas após a indicação de Mercadante para o BNDES, anunciada por Lula durante evento para celebrar o encerramento das atividades dos grupos técnicos do gabinete de transição.
Aumentaram os rumores de que houve interferência da equipe de Lula o fato de que o presidente eleito havia recebido horas antes para um café da manhã o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na hora da votação, alguns deputados chegaram a apelidar a flexibilização de \”Emenda Mercadante\”.
A referência irritou os integrantes do gabinete de transição, mesmo tendo o partido de fato votado favoravelmente à medida —apenas PSDB e Novo foram contrários.
Por isso, nesta quinta-feira (15), alguns caciques do PT no Senado têm dito nos bastidores que não vão se opor a qualquer tentativa de obstrução da votação. Vão simplesmente deixar o ônus pelo adiamento ou também por pressionar pela votação para os integrantes do centrão.
Alguns petistas afirmam que Mercadante foi usado como um \”bode expiatório\” e que a iniciativa de colocar em votação a proposta na Câmara dos Deputados não contou com articulação de deputados do partido.
A equipe de Lula tem defendido que havia segurança sobre a legalidade no caso do petista e que a alteração na lei não era necessária para o futuro presidente do BNDES. De qualquer forma, a alteração deve tornar mais confortável a aprovação dele para o posto e, independentemente disso, provoca efeitos mais amplos na política.


Fonte: Folha de São Paulo

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