Autoridades enquadram fundos por uso de práticas ESG
Nos EUA, procuradores questionam dever fiduciário de gestores perante poupadores
O ESG na vida real está com problemas. Procuradores-gerais de 19 estados americanos enviaram no mês passado carta ao CEO (presidente-executivo) da BlackRock, Larry Fink, alertando sobre aparentes violações da norma legal básica de investimento, que requer que os gestores ajam exclusivamente para maximizar os retornos financeiros aos investidores, não para promover objetivos sociais ou políticos, por mais relevantes pareçam. \”Nossos estados não tolerarão que a poupança dos aposentados seja sacrificada em prol da agenda climática da BlackRock\”, menciona a carta.
Pela primeira vez em dez anos surge uma reação à possante onda do ESG, relacionada à primordial questão do dever fiduciário em relação ao dinheiro dos poupadores. Pode ser a força que produzirá um equilíbrio saudável: nem idolatria nem demonização do ESG.
A questão do dever fiduciário aplicado ao ESG tem a ver com uma revolução no capitalismo iniciada nos anos 1950, ainda em andamento. Peter Drucker, guru da ciência administração de empresas, a denominou de \”A Revolução Que Não Se Vê\” (\”The Unseen Revolution\”, 1976). Crescentemente, fundos de pensão e outros investidores institucionais, tais como as gestoras de fundos e de ETFs, passaram a controlar as maiores companhias listadas em Bolsa. Com o crescimento econômico, a propriedade das ações das empresas se dispersou nas mãos de dezenas de milhões de poupadores individuais, enquanto o controle das empresas se concentrou em poucos gestores de enorme porte, cujo dever é agir em prol do melhor interesse dos poupadores e pensionistas.
Hoje, os maiores gestores são do tipo \”passivo\” —neutros e agnósticos em relação à escolha de companhias—, que perseguem benchmarks, sejam índices de Bolsa, setoriais ou temáticos. Em conjunto, BlackRock, Vanguard e a State Street, as Big Three, administram mais de US$ 20 trilhões de recursos de terceiros, ou 30 vezes o valor de mercado de todas as companhias listadas na B3. As Big Three respondem por cerca de um quarto dos votos das assembleias de acionistas.
O crescimento da opção por gestão passiva nas últimas décadas foi indubitavelmente benéfico ao poupador, pois as taxas de administração são muito menores que as de gestão ativa. Porém, embora a escolha de companhias na carteira seja passiva, os gestores votam nas assembleias, nem sempre de acordo com o interesse do poupador. Larry Fink não age inteiramente como gestor passivo, na medida em que exerce o controle dos votos para empurrar agenda própria em uma série de questões, entre elas o aquecimento global e a diversidade de gênero no conselho de administração.
É um caso clássico do chamado \”problema do principal agente\”. No passado, o poupador (\”principal\”) investia diretamente na Bolsa, mas agora investe por meio de intermediários (\”agentes\”), gestores de fundos e de ETF como as Big Three. O interesse dos intermediários pode não ser o mesmo dos poupadores.
As Big Three, que influem em quase todas as companhias abertas brasileiras, são acusadas de promover pautas empresariais voltadas a aumentar o volume de recursos administrados desconsiderando a vontade do poupador. Por exemplo, o marketing direcionado aos millennials beneficia o gestor com mais recursos, mas pode piorar os retornos financeiros. Caso o marketing e os votos exercidos não tenham como base estudos rigorosos empíricos que demonstrem aumento de retornos financeiros, haverá quebra do dever fiduciário, com consequências legais severas aos gestores.
As autoridades americanas já perceberam que a festa dos fees dos gestores, impulsionada pela onda progressista, não garante os melhores retornos aos seus clientes. Lá, a responsabilidade com o dinheiro alheio é coisa séria e chegou à Justiça.
Fonte: Folha de São Paulo