ITBI: grandes municípios não estão aplicando precedente favorável
Situação tem levado contribuintes a recorrer à Justiça
Grandes municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro, não estão aplicando a todas as transações envolvendo imóveis o repetitivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que definiu que o ITBI deve ter como base o valor da operação, e não o valor venal do imóvel. Pautados por um parecer da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), as capitais defendem que o entendimento da Corte valeria apenas para arrematação de imóveis em hasta pública, já que o processo analisado como repetitivo trata deste tema. O texto aponta ainda que o precedente do STJ não transitou em julgado e que a administração pública não é obrigada a seguir posicionamentos tomados sob a sistemática dos repetitivos.
O tema, como era de se esperar, tem desaguado no Judiciário. A Justiça tem sido chamada a se posicionar tanto em casos em que o contribuinte não concorda com o cálculo do ITBI apresentado pelo município quanto em situações em que é requerida a devolução de valores pagos a mais do imposto no passado.
Em relação ao último ponto, o assessor jurídico da Abrasf, Ricardo Almeida, diz que o Judiciário tem recebido um grande número de processos por meio dos quais os contribuintes pedem a diferença entre o valor pago de ITBI em operações passadas e o montante que deveria ser recolhido caso o imposto fosse calculado com base no valor da operação, conforme decidiu o STJ.
Segundo Almeida, a capital paulista tem recebido por semana cerca de 200 processos sobre o tema. No Rio de Janeiro são 100 processos semanais, e em Porto Alegre 85 novos casos por semana. Em Belo Horizonte, foram 120 ações desde julho. Ainda segundo Almeida, parte dos processos envolve baixos valores, como R$ 200 ou R$ 300.
Repetitivo
No STJ, o julgamento que versou sobre a forma de cálculo do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ocorreu em março. Ao analisar o REsp 1.937.821 como repetitivo a 1ª Seção da Corte firmou três teses, definindo, entre outros pontos, que o cálculo do ITBI, que incide na compra e na transferência de imóveis, deve ter como base o valor da transação, que é declarado pelo contribuinte. A base de cálculo do imposto, assim, não pode ser derivada de um valor sugerido unilateralmente pelo município.
O resultado foi comemorado por tributaristas, que viram no precedente a possibilidade de incidência do ITBI com base no real valor da operação e um caminho para a restituição de valores recolhidos a maior no passado. Quase seis meses após a decisão, porém, o cenário não se concretizou.
Em parecer apresentado em agosto, a Abrasf defende, entre outros pontos, que o repetitivo é restrito à discussão sobre incidência de ITBI em arrematações de imóveis ofertados em hastas públicas judiciais. A entidade salienta que esse era o pano de fundo do processo analisado pelo STJ, e a corte não poderia ter estendido o entendimento para outras hipóteses de incidência do imposto.
“Afigura-se imperativo concluir que, sendo o Recurso Especial em caráter repetitivo restrito aos limites da “causa decidida” – exatamente porque este é o seu espeque de cabimento – e versando a res in iudicio deducta apenas sobre a base de cálculo do ITBI nas hipóteses de arrematação de imóvel em hasta pública, não pode a mesma ser alargada para regulamentar todas as hipóteses de incidência do imposto municipal, abarcando diversas outras espécies de negócios jurídicos e atos de alienação de imóveis”, defende a Abrasf no parecer.
Ricardo Almeida destaca ainda que o STJ não possui jurisprudência sobre o tema que os contribuintes alegam ter sido definido como repetitivo. “O que confirma essa limitação do alcance do acórdão é o fato de que a única matéria que já é sedimentada no STJ é exatamente em relação à identificação da base de cálculo do ITBI nas arrematações ao valor da arrematação, e não a uma base de cálculo hipotética”, afirma.
O posicionamento, porém, é alvo de questionamentos por parte de tributaristas. Especialistas apontam que o termo “hasta pública” sequer aparece nas teses firmadas pela 1ª Seção.
A advogada Thais Veiga Shingai, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, destaca que pelas próprias características dos repetitivos a tese é mais genérica. “O STJ sequer pode analisar as provas do caso concreto”, diz.
Outro argumento levantado pela Abrasf é o fato de o REsp 1.937.821 não ter transitado em julgado. A 1ª Seção do STJ, porém, negou embargos de declaração apresentados pelo município de São Paulo e negou a “subida” do caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), por ausência de questão constitucional. Almeida, entretanto, diz que o município recorrerá da decisão que não permitiu que o caso fosse remetido ao Supremo.
Repetitivo não vincula as administrações
Por fim, a Abrasf levanta no parecer o fato de a administração pública não ser obrigada a seguir decisões tomadas pelo STJ em recursos repetitivos. Pelas regras atuais, julgamentos sob a sistemática dos repetitivos vinculam apenas o Poder Judiciário.
“Os municípios que possuem leis prevendo a incidência do ITBI sobre o valor venal do imóvel (calculado pela prefeitura) estão obrigados a acatar a decisão do STJ? Pode-se adiantar que não”, defende a Abrasf.
A “saída” aos contribuintes seria recorrer ao Judiciário para a aplicação do repetitivo, o que vem ocorrendo. Uma busca na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) demonstra que nos 13 primeiros dias de setembro a corte julgou mais de 20 processos sobre o tema, aplicando o precedente do STJ.
Exemplo é o processo 1065662-94.2021.8.26.0053, analisado em 12 de setembro pela 15ª Câmara de Direito Público do TJSP. Por unanimidade os desembargadores acolheram os argumentos do contribuinte e consideraram que “a base de cálculo do ITBI deve ser aquela fornecida pelo contribuinte, considerando o valor efetivo da transação, e caberá ao Município impugnar, nos termos do art. 148 do CTN, se não concordar, instaurando para tanto processo administrativo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa”.
A não vinculação das administrações ao que decide o STJ em repetitivo ou STF em repercussão geral foi um dos temas tratados pela Comissão de Juristas para alteração do processo tributário. O grupo apresentou, em 6 de setembro, oito anteprojetos de lei, que previam, entre outros pontos, a vinculação da administração nestes casos.
De acordo com a explicação de motivos do anteprojeto, a não vinculação faz com que os contribuintes e o próprio poder público tenham que recorrer à Justiça para fazer valer decisões do STJ e do STF: “É inegável a insegurança jurídica que a obrigatoriedade legal de vinculação da administração pública apenas às decisões da Corte Constitucional em controle concentrado de constitucionalidade gera, porquanto permite que entendimentos reiterados e vinculantes em âmbito judicial sejam ignorados em âmbito administrativo, fazendo com que o Judiciário seja novamente instado”.
Bárbara Mengardo – Editora em Brasília
Fonte: JOTA