Provável calote de R$ 200 bi em precatórios movimenta área de créditos podres
Cynthia Decoledt
Um provável calote de mais de R$ 200 bilhões em precatórios federais (disputas judiciais perdidas pelo governo) está movimentando a indústria que negocia ativos em situações especiais. O montante corresponde ao que deve se acumular até 2026, após a aprovação, no ano passado, da PEC que estabeleceu um limite anual de gasto do governo com esses compromissos, conforme estudo feito pela própria Câmara dos Deputados.
Agora, o mercado que negocia créditos com problemas aguarda detalhes sobre o uso dos precatórios como “moeda” para pagamento de outorgas de concessões, em privatizações, aquisições de imóveis e quitação de dívida ativa. A utilização dos títulos foi também aberta pelo governo pela PEC.
A expectativa de que o regramento seja definido em prazo curto é baixa, dado o contexto eleitoral. Por outro lado, existe um risco de que essa etapa acabe tirando do escopo de utilização alguns tipos de precatórios, na opinião de um especialista que preferiu não ser identificado. “A regulamentação pode esvaziar ainda mais o dispositivo e deixar uma grande massa de empresários com grande perda”, comenta.
Para muitos que estão no mercado de ativos problemáticos, o “calote” já está dado e a PEC está, na verdade, trazendo para eles mais oportunidades de negócios. Algumas casas já estão identificando as pontas, ou seja, os possíveis vendedores e compradores. Como a regra de utilização não é ainda totalmente clara, o sócio da Jive, Guilherme Ferreira explica que algumas negociações têm acontecido com condicionantes. “A PEC deu duas opções, ou recebimento com 40% ou seu uso por 100% do valor“, lembrou.
Precatórios foram negociados por 90% do valor
No ano passado, meses antes da PEC, o mercado chegou a negociar os precatórios federais por 90% de seu valor. Com a queda da taxa de juro, muitos family offices e escritórios de advocacia entraram forte nesse mercado. O sócio da Root Capital, Rafael Fritsch, conta que após a PEC, esses papéis chegaram a cair para 50% do valor de face. “O mercado teve um lição dura, de que precatório não é uma NFT”, diz.
Ele lembra que há quatro anos, esses papéis eram negociados entre 60% a 70% do valor de face. Para Fritsch, o sustou foi saldável para esse mercado, colocando os precatórios federais em linha com a realidade. “O mercado esta aprendendo que não se pode precificar nada”, afirma.
Perspectiva de utilização dos precatórios deve ajudar preços
Com a economia ruim e as incertezas à frente, os precatórios federais devem seguir pressionados. Mas a perspectiva de utilização tende a ajustar os preços um pouco mais para cima. “Com o passar do tempo, se a mecânica de compra para pagar privatização e outorga for de fato crível, isso deve melhorar preço. Em um primeiro momento está favorável para quem está comprando”, diz o sócio fundador da Strategi, Cristian Lara.
O executivo afirma que como investidor, a PEC alterou a dinâmica de comprar e segurar o papel, olhando para o recebimento, e criou oportunidade de monetizar o título no mercado secundário, com a venda para alguma empresa que queira pagar uma outorga, por exemplo.