Receita deve aguardar decisão administrativa para compartilhar dados sobre possível crime

Para STF, deve ser privilegiada a opção do legislador, que é válida e razoáve

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram nesta quinta-feira (10/3), por unanimidade, a constitucionalidade da norma que define que o Fisco somente pode enviar informações ao Ministério Público sobre a existência de uma dívida tributária e potenciais crimes cometidos pelos contribuintes após decisão final na esfera administrativa que confirme definitivamente esse débito.

O relator, ministro Nunes Marques, votou no sentido de julgar improcedente a ação proposta pela Procuradoria-Geral da República e, com isso, declarar a constitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/96, com a alteração promovida pela Lei 12.350/10.

De acordo com esse dispositivo, o fisco pode enviar a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público depois de proferida a decisão final sobre a exigência do crédito na esfera administrativa. Com essas informações, o Ministério Público analisa se abre inquérito e, mais à frente, se oferece denúncia ao Judiciário por crime contra a ordem tributária ou se arquiva a representação.

Em seu voto, o ministro Nunes Marques entendeu que o legislador fez a opção de esperar o término do processo administrativo para, só então, enviar informação ao Ministério Público para investigação de potenciais atos penais. Essa opção, para ele, é válida e razoável.

“Defender a possibilidade de a administração tributária de antemão precipitar-se para acionar a faceta punitiva do Estado sem aguardar a constituição definitiva do crédito tributário representa o risco de mover a máquina estatal por situação que possa se mostrar excluída do fato típico”, ressaltou Nunes Marques.

O voto do relator foi acompanhado na integralidade pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

Houve apenas uma divergência parcial aberta pelo ministro Alexandre de Moraes. O magistrado votou no sentido de declarar constitucional o artigo 83 da Lei 9.430/96, com a alteração promovida pela Lei 12.350/10. Porém, ele julgou procedente o pedido subsidiário da PGR para conceder interpretação conforme a Constituição a esse dispositivo no sentido de afastar a necessidade prévia de esgotamento da discussão, nas instâncias administrativas, em relação aos crimes formais – aqueles cuja consumação não necessita de resultado – para o encaminhamento da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público Federal.

Participaram do julgamento 9 ministros, uma vez que o ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito e o ministro Dias Toffoli estava ausente. Com isso, a ação foi julgada improcedente pela maioria, vencido parcialmente o ministro Alexandre de Moraes.

A ação
A constitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/96 foi reconhecida pelo STF em 2003 no julgamento da ADI 1571.Em 2010, no entanto, esse dispositivo sofreu alteração por meio da Medida Provisória 497/2010, convertida na Lei 12.350/10. Antes, o artigo tratava apenas da representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária. Após a mudança, ele passou a incluir os crimes contra a Previdência Social, especificamente o de apropriação indébita previdenciária e o de sonegação de contribuição previdenciária.

Diante dessa alteração, o Ministério Público Federal pediu a declaração de inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/96 no que se refere aos crimes formais – e não aos crimes materiais – contra a ordem tributária, especialmente o de apropriação indébita previdenciária.

Em sustentação oral, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que “a exigência de esgotamento do contencioso administrativo fiscal para comunicar a ocorrência de crimes formais ao Ministério Público atenta contra a proteção eficiente, pois cria obstáculo desproporcional e que posterga, morosamente, o início da persecução criminal, em detrimento dos bens jurídicos protegidos” afirmou.

Aras ainda lembrou que nos crimes fiscais e previdenciários de natureza formal, a consumação ocorre antes da conclusão de procedimento administrativo, na data do vencimento do prazo para recolhimento do valor da obrigação tributária. “Bem por isso, não há necessidade de esgotamento da instância administrativa para deflagração da persecução penal”, reiterou.

Entre outros pontos, a PGR argumentou que a alteração violaria o artigo 62 da Constituição. Primeiro, porque o tema não teria urgência e relevância para ser tratado por meio de medida provisória. Segundo, porque a matéria seria de direito penal e processual, cuja alteração por meio de medida provisória também é vedada constitucionalmente.

Além disso, um dos principais argumentos da PGR é que o crime de apropriação indébita previdenciária é formal (sem a necessidade de um resultado para a sua consumação) e que, portanto, seria consumado antes da conclusão do processo administrativo que discute o crédito.

Em seu voto, o ministro Nunes Marques rebateu os argumentos apresentados pelo MPF. O relator afirmou que o instituto da medida provisória integra o processo legislativo e quem dá a última palavra sobre a sua urgência e relevância é o Congresso. A conversão da MP em lei, por sua vez, é um referendo sobre o seu conteúdo. Além disso, o controle judicial de uma MP só se justificaria na hipótese de abusividade dos critérios de relevância e urgência, o que não houve, na visão do relator.

Nunes Marques rejeitou ainda a alegação de que a discussão se trata de matéria penal ou processual penal, uma vez que o dispositivo questionado define o momento em que os servidores da Receita podem encaminhar a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público.

Para o ministro, a exigência da conclusão do procedimento na esfera administrativa também não afronta a igualdade de tratamento dos contribuintes, uma vez que não se verifica concessão de vantagem a grupo social em detrimento de outros. Além disso, no entendimento do relator, o dispositivo questionado privilegia o exercício do contraditório e da ampla defesa na esfera administrativa, bem como permite o exercício da solidariedade fiscal dentro das balizas das garantias fundamentais do contribuinte.

“Além de o expediente ter já ter sido apreciado, na ADI 1541, revela-se certa prudência no tratamento penal da questão, na medida em que evita acionamento indevido da persecução criminal por fato pendente de juízo final na esfera administrativa”, disse o relator.

Quanto ao pedido subsidiário da PGR para afastar a necessidade prévia de esgotamento da discussão, nas instâncias administrativas, em relação aos crimes formais para o encaminhamento da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público Federal, o relator considerou que o questionamento é inapropriado, uma vez que o artigo 83 da Lei 9.430/96, com a alteração promovida pela Lei 12.350/10, não trata exatamente desse assunto. Para o relator, caso apreciasse esse tema, a ADI ganharia “caráter atípico, próprio de embargos de declaração”.

Terceiros interessados
Entidades representantes dos contribuintes que participaram do julgamento como amici curiae defenderam a constitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/96, com a alteração promovida pela Lei 12.350/10.

A advogada Nina Pencak, que representou a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), considerou que o legislador fez uma opção legítima e privilegiou os princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência ao determinar a necessidade de esgotamento do processo na esfera administrativa para o envio da representação fiscal para fins penais.

Pencak ressaltou ainda a relevância dos tribunais administrativos, em especial o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na análise sobre a existência ou não do crédito tributário.

“O Carf não apenas analisa fatos e provas, ele exerce função legislativa e função jurisdicional atípica”, disse.

A advogada Angela Cignachi Baeta neves, que representa o Sindicato Nacional das Empresas distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), destacou a complexidade do sistema tributário brasileiro, com inúmeros questionamentos entre Fisco e contribuinte, não raro com desconstituição do crédito tributário na esfera administrativa.

“O Direito Penal não pode ser utilizado como seara para cobrança de tributos nem pode ser instrumento de pressão e coerção para impelir contribuinte a pagar tributos”, defendeu.


Fonte: JOTA

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