Os pedidos de vista e destaque de Nunes Marques em casos de interesse do governo
‘A gente quer ganhar o jogo ou empatar. Ele está empatando esse jogo’, disse Bolsonaro sobre o ministro
O ministro Nunes Marques utilizou a prerrogativa de interromper julgamentos no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. Boa parte dos processos paralisados pelo magistrado está relacionada a pautas sensíveis ao governo de Jair Bolsonaro, responsável por sua indicação ao cargo de ministro.
“Quando se fala em pautas conservadoras, ele já pediu vista de muita coisa que tem que a ver com conservadorismo”, disse o presidente da República sobre seu primeiro indicado ao STF em entrevista em novembro do ano passado. “A gente quer ganhar o jogo ou empatar. Ele está empatando esse jogo.”
O caso mais recente foi o destaque no julgamento sobre o passaporte da vacina contra a Covid-19. Após a maioria formada entre os ministros do Supremo a favor da obrigatoriedade de apresentação de comprovante de vacinação e teste para a detecção da Covid-19 na entrada de viajantes do exterior no Brasil, o ministro Nunes Marques pediu destaque e o julgamento do passaporte da vacina será reiniciado no plenário físico em 9 de fevereiro de 2022. A discussão ocorre na ADPF 913.
O ministro Nunes Marques também pediu destaque no julgamento do MS 37.132 que discute se o presidente Jair Bolsonaro pode bloquear usuários em suas redes sociais. Até a interrupção, apenas o ministro Marco Aurélio havia votado pela impossibilidade do bloqueio pelo presidente. No entanto, com a aposentadoria de Marco Aurélio, o voto não será mais considerado.
A interrupção dos julgamentos no plenário virtual via pedido de vista também foi usada por Nunes Marques. Ele interrompeu o julgamento do recurso ajuizado pelo presidente contra a decisão do relator Edson Fachin de extinguir, sem julgamento de mérito, a ação que questionava a possibilidade de o STF instaurar o inquérito das fake news de ofício, isto é, sem ser provocado por outro órgão, como, por exemplo, o Ministério Público. A questão está sendo analisada na ADPF 877.
O ministro Nunes Marques também pediu vista e suspendeu o julgamento de todas as ações que questionam a constitucionalidade dos decretos do presidente Jair Bolsonaro para flexibilizar a compra e porte de armas e munição no Brasil. Com o pedido de vista, as liminares proferidas pelos ministros relatores se mantêm e, dessa forma, os decretos continuam suspensos. As ações em análise são as: ADI 6.119, ADI 6.134, ADI 6.466, ADI 6.675, ADI 6.676, ADI 6.677, ADI 6.680, ADI 6.695, de relatoria dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber.
Nunes Marques também pediu vista na ADPF 623 que discute um decreto do primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro que diminuiu drasticamente – de 23 para 4 – o número de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). No último dia antes do recesso de fim de ano, Weber deu uma liminar suspendendo o decreto até o julgamento do mérito, que está sob análise de Nunes Marques desde março de 2021.
Especialistas consultados pelo JOTA lembram que as interrupções de julgamento por vista ou destaque geram repercussões diferentes no andamento processual, de modo que as ferramentas podem ser usadas pelos ministros para influenciar no tempo e no resultado das decisões. Quando um ministro pede vista em plenário virtual, cabe ao ele devolver a matéria para a apreciação do colegiado, quando o ministro pede destaque, o julgamento é reiniciado e cabe ao presidente do Supremo definir uma nova data no plenário físico.
“Dado o perfil apresentado até agora pelo ministro Nunes Marques, que é de grande alinhamento aos interesses do governo, a minha hipótese é que uma parte disso [pedido de destaque e vista] diz respeito a se tentar adiar essas decisões. Isso ficou muito claro no caso da exigência do passaporte vacinal”, afirma Oscar Vilhena Vieira, o professor da FGV de São Paulo.
Ana Laura Pereira Barbosa, pesquisadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP e doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP), lembra que no caso do ministro Nunes Marques, no início, ele pedia vista porque tinha acabado de entrar no Supremo. Porém, em outros casos ficou mais difícil explicar a interrupção de julgamentos avançados. Ela cita como exemplo o julgamento do Conama.
“Já tinham vários votos quando Nunes Marques pediu vista. Recentemente teve a liminar da ministra Rosa Weber, mas o mérito ainda está suspenso por um pedido de vista em um caso muito sensível à sociedade civil e que é um exemplo do método do Bolsonaro para diminuir a força da participação da sociedade civil em órgãos de fiscalização e controle”, afirma.
Segundo informações do gabinete do Ministro Nunes Marques, a maior parte das interrupções de julgamentos realizadas pelo ministro foi na modalidade destaque e não pedido de vista. O gabinete afirmou ainda que o objetivo da descontinuidade da votação de determinados temas não é o de paralisar ou prejudicar a discussão, ao contrário, o ministro pretende aprofundar a análise dos temas com o debate claro e transparente sobre questões que considera relevantes.
O gabinete reforçou ainda que em alguns casos, como o passaporte da vacina e o decreto das armas, os pedidos de suspensão não afetaram a situação, visto que já tinham liminares com as decisões dos relatores.
Flávia Maia – Repórter em Brasília.
Fonte: JOTA