Projetos de lei buscam preencher lacuna regulatória sobre telemarketing
Melhor definição de regras e sanções para abusos é desejada tanto por defensores quanto por críticos da prática comercial
A discussão sobre mudanças em serviços de telemarketing é tema de diversos projetos de lei atualmente em trâmite no Congresso Nacional. Tanto críticos quanto defensores das ligações comerciais entendem que é preciso melhorar a regulamentação no país, a fim de garantir o exercício de direitos dos consumidores e concorrência justa às empresas que se utilizam da prática.
Em uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), em 2019, 92,5% das pessoas entrevistadas afirmaram receber ligações indesejadas de telemarketing. Segundo elas, 80,6% dessas ligações caem ou ficam mudas assim que atendidas.
As empresas do setor seguem regras próprias, por meio do Probare, o Programa Brasileiro de Auto-regulamentação do Setor de Relacionamento. Há, por exemplo, previsão de limitação de horário para o contato e listas de bloqueio. Porém, como não há sanção ou fiscalização, muitas empresas não cumprem o acordado.
“Um dos grandes problemas que eu sinto é que uma parte do mercado concretamente não respeita a autorregulamentação. Mesmo o Probrare sendo uma autorregulamentação, tem uma característica de soft law. Ou seja, o mercado acaba adotando porque entende que é interessante, mas não tem obrigação legal, não tem penalidade objetiva”, explica o diretor-jurídico da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), Cláudio Márcio Tartarini.
Para ele, é preciso que sejam definidas regras no âmbito Legislativo, com características normativas, coercitivas. “Esse tipo de atividade demanda, de fato, uma regulamentação em nível legislativo. Isso vai conferir melhor proteção ao consumidor e vai gerar um mercado regulatório de melhor competição. Tanto o mercado quanto os interesses sociais serão melhor atendidos”, defende o diretor da ABT.
Ao menos seis projetos sobre a temática tramitam na Câmara dos Deputados, nenhum ainda em ponto de ser votado em plenário. No Senado, são no mínimo quatro propostas (PL 3476/2019, PL 3314/2019, PL 3136/2019 e PLS 518/2018), muitos com foco no cadastro de quem não quer mais receber ofertas por telefone.
Um dos projetos mais avançados é o PL 8195/17, de autoria de Heuler Cruvinel (PSD-GO). Segundo o texto, caberá ao Procon implantar, gerenciar e divulgar um banco de dados para que os cidadãos se inscrevam e sinalizem que não querem mais receber ligações com ofertas. No momento, o PL aguarda parecer do relator, deputado David Soares (DEM-SP), na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).
Em setembro, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados discutiu o PL em audiência pública, a pedido do deputado Nilto Tatto (PT-SP), com a presença de representantes do setor.
Para o parlamentar, não só é preciso criar listas de bloqueio, como já existem em alguns estados, como também é necessário punir o vazamento de dados e informações pessoais que são usados para o contato de telemarketing.
“Há uma necessidade de se organizar no sentido de punir, de proteger mais os dados do cidadão. A impressão que dá é que o controle dessas informações está ao deus-dará. Existe legislação para isso, mas não existe ação”, diz Tatto.
Bancos e consignados
Um outro PL, de autoria da deputada Lauriete (PSC-ES), proíbe bancos e sociedades de arrendamento mercantil de realizar atividades de telemarketing ativo, como ofertas por telefone de empréstimos, de financiamentos e de seguros.
“A instituição financeira, ao oferecer o empréstimo consignado por telemarketing ativo, omite taxas capciosamente embutidas, sendo o aposentado induzido a fornecer seus dados pessoais e ficando à mercê de ações de golpistas, podendo até realizar negócios contrários ao seu próprio interesse”, disse ela ao apresentar a proposta, em março deste ano.
De acordo com o diretor-jurídico da ABT, projetos de lei podem contribuir para melhorar a oferta de crédito consignado por telefone, mas já há um bom caminho existente – a Autorregulação do Crédito Consignado, fruto de uma parceria entre a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Associação Brasileira dos Bancos (ABBC), em vigor desde 2 de janeiro de 2020.
“O consignado é uma questão delicada porque o Estatuto do Idoso prevê, realmente, um tratamento especial. Mas eu vejo que a Febraban tem adotado um processo de autorregulamentação eficiente”, argumenta.
O conjunto de regras dos bancos prevê, por exemplo, a criação e atualização de uma base de dados para monitoramento de reclamações e adesão dos bancos ao site “Não Pertube”, um sistema de bloqueio para clientes que não queiram ser abordados por telefone.
Trinta dias após o cadastramento, tanto bancos quanto correspondentes contratados não podem fazer nenhuma oferta de operação de crédito consignado. O bloqueio vale por um ano e o cliente pode optar por bloquear instituições ou segmentos específicos, como o setor bancário ou de telecomunicações, por exemplo.
De acordo com a própria Febraban, o setor bancário bateu, em junho deste ano, recorde de punições a correspondentes bancários que desrespeitaram as regras previstas na autorregulamentação, com 66 sanções. Além disso, duas empresas tiveram suas atividades encerradas em razão de violações às regras.
Fonte: JOTA