Nova Lei de Improbidade freia distorção, mas afrouxa punição por falhas de gestão
Agora será preciso comprovar dolo, o que deve dificultar ações que apontam erros e omissões
Felipe Bächtold
São Paulo
A nova Lei de Improbidade Administrativa, aprovada no Congresso e sancionada na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro, é comemorada por prefeitos pelo país por limitar a possibilidade de o Ministério Público ajuizar ações decorrentes de discordância sobre a gestão pública.
Atendendo a uma antiga reivindicação das prefeituras, a legislação foi revista em trecho que estipulava punições por violação a princípios da administração —conceito que os políticos consideram bastante subjetivo e passível de interpretações.
Foi eliminada a possibilidade de sanção por irregularidades \”culposas\” —agora será preciso a acusação comprovar que houve dolo (quando há intenção ou se assume o risco de cometer o ilícito).
Na prática, isso deve encerrar ou dificultar ações de improbidade nas quais promotores apontavam falhas e omissões de gestão.
Os municípios enxergavam excessos e consideravam que isso afastava da vida pública quadros qualificados que tinham receio de responder a processos, causando um \”apagão de canetas\”. Afirmam que agora haverá mais segurança jurídica.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, diz que processos com fundamentação frágil criavam constrangimentos e que a alteração não significa afrouxar punição para casos de corrupção.
A Lei de Improbidade não determina sanções criminais, como prisão, mas sim a perda de função pública, a suspensão de direitos políticos ou o ressarcimento de prejuízos.
\”Foi sempre uma lei muito aberta, de propiciar qualquer tipo de interpretação, de arbítrio. Uma enxurrada de bons gestores, pessoas da sociedade que poderiam concorrer, se retiravam da vida pública\”, diz ele, que foi prefeito de Mariana Pimentel (RS), pelo MDB.
Uma situação que os prefeitos dizem ser comum é a interferência do Ministério Público em políticas públicas e na destinação de recursos, com o consequente ajuizamento de ações de improbidade em casos em que há divergência. Falam em voluntarismo e em punições desproporcionais, equiparadas a casos de corrupção.
\”Ele [promotor] acaba interferindo, sem a legimitidade do voto, na administração. Porque ele disciplina aquilo que o prefeito pode ou não fazer. Em cidades pequenas, o prefeito vai à sala do Ministério Público perguntar, por medo de ser acusado depois em ação de improbidade. É péssimo para a democracia\”, afirma o presidente da Associação Paulista de Municípios, Fred Guidoni.
Ele foi prefeito de Campos do Jordão (a 181 km da capital paulista) de 2013 a 2020 pelo PSDB.
O prefeito de Jacareí (a 84 km de São Paulo), Izaias Santana (PSDB), afirma que as punições previstas na Lei de Improbidade, como a perda de cargo público, atingem direitos fundamentais do cidadão e que, portanto, é preciso ter mais embasamento.
Para ele, a legislação \”não pode ser um guarda-chuva escancarado para qualquer coisa que o Ministério Público queira\”.
\”Respondo a uma [ação] por causa disto: não quis fazer termo de ajustamento de conduta, porque entendi que estavam equivocados.\”
O prefeito afirma que não tinha recursos em caixa para arcar com as recomendações da Promotoria.
Em 2019, foi ajuizada ação de improbidade contra Santana na qual foi acusado de \”permitir a poluição ambiental\” devido a lançamanto irregular de esgoto sem tratamento.
Nesse caso, foram citados o \”princípio da legalidade\” e item da antiga lei que punia o agente público que \”deixasse de praticar indevidamente ato de ofício\”.
A defesa de Santana afirmou à Justiça que faltam razoabilidade e proporcionalidade para esse enquadramento.
A escassez de recursos públicos para cumprir as obrigações, aliás, é citada de maneira recorrente pelos gestores como motivadoras de ações de improbidade.
O prefeito de Manaquiri (AM), Jair Souto (MDB), diz que leis que impõem compromissos aos municípios, como a de Responsabilidade Fiscal, conflitam entre si, criando um ambiente em que é preciso escolher qual delas descumprir e que abre caminho para casos de improbidade.
\”Alguns prefeitos têm muita dificuldade com corpo técnico, com assessoria, consultoria. Não têm estrutura\”, diz ele, que preside a Associação Amazonense dos Municípios.
Os prefeitos também afirmam que as alterações vão barrar punições por uso da \”teoria do domínio do fato\”, conceito importado do direito alemão.
Conhecida no Brasil no julgamento do escândalo do mensalão, essa tese aborda a responsabilidade dos que comandam, embora sem se envolver diretamente na irregularidade.
Fonte: Folha de São Paulo