Senado aprova PEC que restringe admissibilidade de recursos especiais no STJ

Por ter sofrido alterações no Senado, o texto retorna à Câmara dos Deputados

O Senado aprovou nesta quarta-feira (3/11), por 70 votos favoráveis e nenhum contrário, a PEC da Relevância (PEC 10/17), que estabelece requisitos de admissibilidade de recursos especiais no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O texto propõe que, para que o STJ examine a admissão de um recurso especial, as partes demonstrem a relevância das questões discutidas no caso.



A proposta apresenta algumas hipóteses em que a relevância é presumida, ou seja, que já ensejam a admissibilidade do recurso. Ações penais, por exemplo, serão automaticamente consideradas relevantes para serem julgadas no STJ. Entram na lista também ações de improbidade administrativa; ações cujo valor de causa ultrapasse 500 salários mínimos e ações que possam gerar inelegibilidade. Quando o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante no STJ a causa também será considerada relevante.

Por ter sofrido alterações no Senado, o texto retorna à Câmara dos Deputados. Se a PEC for aprovada, será necessária a regulamentação do tema por meio de lei ordinária, que definirá os critérios de relevância.

Qualificação do tribunal
Por um lado, a medida agrada ministros do STJ, que entendem que as alterações permitiriam ao tribunal realizar um trabalho mais qualificado. Por outro, é criticada por advogados, que a consideram um obstáculo a mais de acesso ao tribunal.

Ao JOTA, o ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, disse que, ao aprovar a PEC, o Senado “protagoniza um grande feito para o jurisdicionado nacional”. “O que se busca com essa alteração constitucional é efetivamente qualificar ainda mais a prestação jurisdicional no STJ, e qualificar na acepção do termo, dar qualidade aos feitos que devam realmente aportar ao STJ”, afirmou.

O presidente do STJ, ministro Humberto Martins, também já se manifestou de forma favorável à PEC 10/17. Em aula magna a estudantes de direito, de acordo com publicação no site do STJ, o magistrado disse que “o objetivo central da proposta é fazer com que o STJ deixe de atuar como uma terceira instância revisora de processos – nos quais o interesse, muitas vezes, está restrito às partes – e exerça de forma mais efetiva o seu papel constitucional”.

Dificuldade de acesso à Justiça
Advogados ouvidos pelo JOTA avaliam que, embora seja importante enfrentar a discussão sobre o volume de processos no STJ, a PEC permitirá algum nível de subjetividade na definição dos casos que podem ser considerados relevantes e dificultará o acesso das partes ao tribunal. Eles afirmam que o STJ já possui a sistemática de recursos repetitivos, que limita o número de casos em julgamento, e que não seria necessário um obstáculo a mais.

Rodrigo Neiva, sócio do Perdiz de Jesus Advogados, explica que, pela proposta, o STJ passaria a ter um instrumento semelhante à repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o artigo 1.035, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), para que um caso seja admitido no Supremo deve haver “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

“A PEC representa um obstáculo a mais de acesso ao STJ. Para mim, em vez de trazer o critério de relevância, que pode ser analisado a partir de uma ótica subjetiva, o mais correto seria usar mais o instrumento do recurso repetitivo”, afirma Neiva, que observa que mesmo as hipóteses de presunção de relevância estabelecidas pela PEC podem ser questionadas.

“Às vezes, uma questão representando a rescisão de um contrato de compra e venda de um imóvel, por exemplo, pode ter um valor inferior a 500 salários mínimos, mas representa o sonho da casa própria de uma família”, diz.

Para Diego Campos, sócio do Figueiredo e Velloso Advogados e professor de direito processual civil na Universidade de Brasília (UnB) e no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), a PEC pode fechar ou restringir o acesso ao STJ em um contexto em que ele ainda é muito necessário para corrigir ilegalidades.

“Vemos em várias situações que o STJ reforma decisões e atua para corrigir ilegalidades até evidentes e que não corresponderiam ao critério de relevância estabelecido pela PEC. Às vezes, é um litígio relevante para as partes, representa a vida de uma empresa ou família, mas não alcança o critério estabelecido pela PEC”, diz Campos.

Para Maricí Giannico, sócia da área de Contencioso e Arbitragem do escritório Mattos Filho, embora a mudança possa aumentar a eficiência do STJ, o tribunal perderá um pouco de sua característica de Corte de revisão, de rever o mérito e corrigir decisões da primeira e da segunda instâncias.

“Eu entendo que manter, apesar do grande volume de trabalho, o STJ como Corte de revisão e permitir que ele avalie conflitos individuais, ainda que na haja relevância social global, é importante e vai contribuir para a pacificação dos conflitos com Justiça, que é um dos escopos da existência do STJ”, diz Maricí.

Na avaliação de Thales Stucky, sócio do Trench Rossi Watanabe, a PEC cria uma barreira adicional que pode prejudicar o acesso ao STJ. A seu ver, o conceito de relevância, por exemplo, como está, pode ser algo amplo, que precisa ser bem definido.

“Talvez a intenção seja boa, de realmente valorizar a corte infraconstitucional, levando a ela casos de maior relevância e representatividade, mas por outro lado a mudança pode prejudicar o acesso à jurisdição”, diz.

Cristiane Bonfanti – Repórter do JOTA em Brasília. Bárbara Mengardo


Fonte: JOTA

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