Estudo mostra que sensação de risco político, econômico e social aumentou no Brasil em 2024

A percepção de riscos para o Brasil aumentou durante o ano passado, segundo estudo conduzido pelo Centro Adam Smith para Liberdade Econômica, um think tank sediado na Universidade Internacional da Flórida, em Miami. A conclusão faz parte da edição de primeiro ano do relatório Índice e Análises de Riscos de Países da América Latina, que entrevistou, nos três quadrimestres de 2024, especialistas de diversas áreas em seis países: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México e El Salvador.

A pesquisa permite acompanhar a evolução do clima político, econômico e social nessas regiões. O objetivo é indicar as tendências que podem afetar as decisões de investimentos de empresas e organizações não-governamentais de operar em cada país.

Na média das três coletas de dados do ano, o Brasil registrou a melhor nota dentre os países analisados, mas também foi o que apresentou a maior piora da nota entre o quadrimestre finalizado em abril e o de dezembro.

A nota média do ano de riscos para o Brasil ficou em 3,13 pontos. Saiu de 3,07, em abril, para 3,32, em dezembro. Quanto maior a nota, maior a percepção de riscos. Colômbia e El Salvador também registraram aumento de percepção de riscos. A Argentina foi o país que apresentou a melhora mais significativa no período, com a nota indo de 3,49 para 3,06 pontos.

Cada país contou com uma instituição parceira para fazer a coleta de dados. No Brasil, a pesquisa ficou sob responsabilidade do Instituto Millenium, por meio dos economistas e pesquisadores associados Paulo Resende e Mariana Piaia.

Foram ouvidos no Brasil, a cada quatro meses, 30 representantes de cinco segmentos: academia, jornalistas, mercado corporativo, organizações não governamentais e governo. Eles responderam a um formulário quantitativo, dando notas de 1 a 5, de como percebem os diferentes riscos associados ao País. Depois, eles foram entrevistados para explicar e aprofundar a análise das suas respostas.

Buscamos manter as mesmas pessoas entrevistadas de um período para outro, e equilibramos perfis profissionais com abrangência de posições políticas e por gênero, para dar uma visão mais ampla”, afirma Resende. “Mais importante do que a pontuação de cada país vista de forma isolada é a tendência de evolução da percepção de risco.”

À medida que as pesquisas são repetidas, haverá mais conclusões para serem tiradas. Neste ano, será feita semestralmente a coleta de dados, duas vezes no ano. “Saberemos o caminho que o Brasil está seguindo. A realidade é complexa, há uma infinidade de coisas acontecendo e existem consensos em alguns pontos, em especial, em torno da corrupção, instabilidade social por conta de ativismo judicial e a deterioração das relações entre o Poder Executivo e o Legislativo”, diz o economista.

No ano passado, no País, houve uma tendência de deterioração da média das notas”, explica, fazendo referência ao conceito criado pelo cientista político americano Joseph Overton (1960-2003), que defende que, a cada momento, existe uma abrangência limitada de argumentos e discursos que são populares e considerados aceitáveis pelo mainstream. “De acordo com a posição política de cada entrevistado, as causas para as pioras de riscos são diferentes. Mas há um consenso de que os riscos aumentaram em várias frentes.”

Riscos políticos

A evolução das notas sobre a percepção dos riscos políticos em 2024 trazem boas e más notícias. “O Brasil é um país muito maior do que os seus vizinhos, e que dá a impressão de ter uma democracia mais sólida do que outros países da América Latina. Isso acaba se refletindo na visão que os brasileiros têm, internamente, sobre a sua solidez institucional”, afirma Resende. “O País demonstra uma maior resiliência da nação em enfrentar instabilidades. Uma mesma instabilidade num país menor tem efeito maior. A escala brasileira ajuda a absorver os impactos.”

O componente de risco político que sofreu maior alteração em 2024 foi a forte melhora na percepção da possibilidade de haver um colapso político. A nota desse item caiu de 4,1, em abril, para 2, em dezembro. “No começo do ano, ainda havia aquele ânimo muito exacerbado por conta dos eventos de 8 janeiro de 2023″, diz o economista. “Era algo um pouco mais recente, e a percepção de risco de colapso político era muito mais alta, com o receio de se acontecer um golpe de Estado, e acabou sendo diluída com o tempo.”

No entanto, este foi apenas um dos dois subitens relacionados a riscos políticos que melhoraram em 2024, na pesquisa. Os outros seis pioraram. Por exemplo, os entrevistados perceberam uma deterioração das relações entre o Poder Executivo e o Legislativo. “No começo do atual governo, havia a sensação de que se havia costurado um acordo com o legislativo, mesmo que ele fosse de oposição. Esse acordo se deteriorou e há uma tendência de aumento de risco”, afirma Resende.

Também pioraram as notas relacionadas à percepção de polarização política, e da confiança em políticos e partidos políticos. Essas percepções também se espelharam em perguntas relacionadas a riscos sociais, que apresentaram uma sensação de aumento da corrupção.

Riscos econômicos

As mesmas tendências registradas quanto ao risco político foram vistas em questões que trataram da economia. Em praticamente todos os indicadores, surgiram notas em dezembro que apresentavam sensação de mais riscos do que existia em abril do ano passado.

“O clima para investimentos estava, no começo do ano, no terreno neutro e foi para o positivo, abaixo da nota três, em agosto. Mas até dezembro piorou bastante”, diz o pesquisador.

A pior nota de risco econômico em dezembro ficou em relação à inflação alta. “O risco fiscal apareceu repetidamente, nas entrevistas, como o principal fator de preocupação”, avalia Resende. “O descontrole de gastos do governo é visto como gerador de diversos problemas, como a inflação alta para o futuro. Mas afeta também as perspectivas de crescimento da economia, de desvalorização da moeda e de turbulência econômica.”

Pelo lado positivo, uma grande preocupação do começo de 2024 diminuiu fortemente ao longo dos meses. Houve uma reversão do receio com o risco de expropriação de ativos, que começou o ano como o item visto como o de pior nota e finalizou como o de melhor.

“Havia um entendimento de que havia a possibilidade de nacionalização e estatização de empresas. Em comparação com o governo anterior, visto como forte em privatizações, se esperava que o governo Lula interrompesse esse processo ou até revertesse algumas transferências para a iniciativa privada”, diz. “Mas esse risco foi diluído com o tempo. A sensação de que, mesmo que não necessariamente ele tivesse perdido a vontade de nacionalizar empresas, o governo não teria habilidade e capacidade de estatizar empresas aumentou.”

Riscos sociais

Os riscos sociais avaliados pelo estudo podem ser dividido em dois grupos, um envolvendo a possibilidade de disrupção social e outro de crime e corrupção.

Os primeiros fecharam o ano no terreno neutro. Houve até uma melhoria na percepção de possibilidade de greves e protestos de grande impacto. “Nesse ponto, o Brasil está num território que não é crítico. O País se mostra relativamente estável comparado aos outros, sem querer minimizar quaisquer problemas”, diz o economista.

Mas, durante todo 2024, houve notas altas de riscos envolvendo crimes, com até uma piora para um nível ainda mais elevado. “A percepção de criminalidade aumentou. A sensação e a exposição de crimes na mídia vêm piorando muito”, afirma. “A infiltração do crime organizado nas instituições foi muito apontada pelos entrevistados, e é tratada como um risco elevadíssimo.” Assim como acontece com o tema de segurança pública, é considerado preocupante o nível de corrupção em várias esferas de poder, tanto no executivo quanto no legislativo. “Também o judiciário é citado, refletindo as denúncias de vendas de sentenças que aconteceram em 2024”, diz Resende


Fonte: Estadão

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