Renegociação da dívida dos Estados é a nova bomba fiscal

É curioso que os analistas observem com lupa qualquer sinal de desarranjo no Orçamento federal e deem pouca importância ao processo de descentralização fiscal que vem se acentuando desde 2020, e que gera enormes incertezas para as contas públicas.

Segundo dados levantados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), as transferências da União aos Estados e municípios (Fundos de Participação, Fundeb, Auxílios a Estados e municípios, Lei Kandir, Royalties e Participações Especiais, Fundo para o Distrito Federal e Emendas Pix), medidas a preços de setembro de 2024, subiram de R$ 390 bilhões, em 2018, para cerca de R$ 600 bilhões, em 2024, crescimento real de quase 55%. Como as unidades federativas não têm incentivos para poupar, ou seja, gastam da mão para boca, o resultado é expressivo aumento das despesas primárias totais.

Ainda segundo dados da FGV, enquanto a despesa primária da União, descontadas as transferências, cresceu 13,8% em termos reais no terceiro trimestre de 2024 contra a média dos quatro trimestres de 2019, a de Estados e municípios, até o segundo trimestre de 2024 (último dado então disponível), cresceu 38%.

A Lei Complementar n.º 212, de 14/1/2025 (LC), que instituiu o Programa de Pagamento de Dívidas dos Estados com a União, não só ampliou esse processo de descentralização fiscal, como também o estendeu para o longo prazo. Essa LC é extensa e complexa, mas, em resumo, abre várias possibilidades para a redução da taxa de juro real que os Estados pagam por suas dívidas com a União (que montam cerca de R$ 800 bilhões) para o intervalo de zero a 2% ao ano, bem como possibilita a extensão do prazo de amortização para 30 anos. Enquanto isso, para financiar os Estados, a União paga atualmente quase 10% de juro real aos detentores de títulos públicos federais. Ou seja, trata-se de um enorme subsídio à custa das finanças federais.

Uma das formas estabelecidas na LC para reduzir a taxa real de juro para zero desses créditos da União é o Estado amortizar até 20% de seu saldo devedor. Mas essa amortização extraordinária não necessariamente deve ser feita por transferências de recursos financeiros para a conta única do Tesouro no Banco Central. É possível transferir ativos de várias naturezas, tais como bens móveis e imóveis, créditos, empresas estatais, entre outros. A LC estabelece apenas que tais ativos devem ser avaliados a preço justo, o que é vago e aumenta a incerteza sobre os impactos dessas operações.

Os mais favorecidos são os Estados com maiores dívidas em valor absoluto: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, ou seja, os mais ricos da Federação. Se já é difícil estimar os custos e benefícios das políticas públicas conduzidas pelo governo federal, tal avaliação é quase impossível para 27 entes federativos. É isso o que acontece em governos politicamente fracos como o de Lula da Silva.


Fonte: Estadão

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