Regulamentação da reforma demandará mais PLs, e especialistas não descartam PEC
Imposto Seletivo e fundos ainda requerem definição; PEC seria necessária para nova estrutura de julgamento do IBS e CBS
A regulamentação da reforma tributária não acaba com a aprovação, pelo Congresso, do PLP 108/24 e a análise dos vetos ao PLP 68/24. Tributaristas e integrantes do governo apontam que pelo menos cinco pontos ainda precisam ser regulamentados, por meio de leis complementares, ordinárias ou até mesmo via Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Os projetos versarão sobre o Imposto Seletivo, fundos previstos na reforma, o regime especial de reabilitação de zonas históricas e o julgamento judicial dos novos tributos.
A necessidade preocupa pelo fato de a fase de transição da reforma começar em 2026, sendo desejável que as pontas soltas sejam solucionadas até lá. Pesa, ainda, o fato de o Imposto Seletivo ser um dos assuntos da reforma que mais gerou discussão até agora. O debate sobre alíquota, que deve ser realizado pelo Legislativo, não deve ficar atrás.
No caso da PEC, o ponto de atenção é o quórum necessário para a aprovação, de 3/5 dos votos dos membros de cada Casa. A proposta, porém, só será necessária se o Executivo e o Judiciário julgarem necessário que haja a criação de uma nova estrutura para julgamento conjunto do IBS e da CBS.
Caso contrário, o primeiro tributo ficará a cargo da Justiça Estadual e o segundo com a Justiça Federal. Esse cenário, porém, é questionado por especialistas, que apontam para a possibilidade de geração de jurisprudências discrepantes em relação aos novos tributos.
PLPs
Por ora, a Emenda Constitucional 132/23, que instituiu a reforma, é alvo de duas iniciativas de regulamentação: os PLPs 108 e o 68. O último foi convertido na Lei Complementar 214 em 16 de janeiro.
A LC 214 traz, entre outros pontos, as regras gerais do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), além de tratar dos regimes diferenciados, das reduções de alíquota e do Imposto Seletivo. O presidente Lula sancionou o texto com vetos a 18 trechos, que devem ser analisados pelo Congresso até 5 de março, sob risco de trancarem a pauta.
Um dos vetos que deve gerar mais debates é o que derrubou um dispositivo que previa que fundos de investimento não são contribuintes dos novos tributos. Fontes do Congresso já começam a falar em possibilidade de derrubada do veto presidencial.
Outro veto polêmico está relacionado à incidência do Imposto Seletivo na exportação de bens minerais extraídos no Brasil. A presidência apontou que o trecho do PLP 68 que estabelecia a impossibilidade de cobrança do tributo nesses casos é inconstitucional, já que a previsão de incidência consta na Constituição.
Já o PLP 108 espera por análise pelo Senado, mas a expectativa é de aprovação ainda este ano. O projeto trata, entre outros pontos, do Comitê Gestor do IBS e do julgamento administrativo do imposto. O ponto que pode gerar mais discussão, entretanto, diz respeito a outros tributos estaduais, como o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Apesar de não serem o foco da reforma, os impostos são objeto do projeto.
Imposto Seletivo e fundos
Em relação ao Imposto Seletivo, ainda deverão ser definidas em lei ordinária as alíquotas. Estão sujeitos ao tributo os veículos; embarcações e aeronaves; produtos do fumo; bebidas alcoólicas; bens minerais e apostas.
O tema das alíquotas, porém, pode gerar debates no Legislativo. No caso das bebidas alcoólicas, por exemplo, a LC 214 prevê que o percentual será proporcional ao teor alcoólico. Já no caso dos veículos, levará em consideração elementos como eficiência energética, pegada de carbono e realização de etapas fabris no Brasil.
O Imposto Seletivo entra em vigor em 2027, o que significa que a lei com as alíquotas deve estar vigente até lá.
Ainda, uma lei complementar deverá instituir ou regulamentar o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá.
Os fundos serão compostos por recursos da União e terão como objetivo compensar eventuais perdas de arrecadação e “fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas” da região. Não há, na Constituição, prazo para a sua instituição.
Por fim, a LC 214 prevê a criação de uma lei ordinária para regulamentação de alguns pontos do regime específico para reabilitação de zonas históricas. Entre outros, os conceitos de preservação e de aprovação de projetos deverão ser tratados em uma legislação posterior.
Judiciário
Outro ponto ainda em aberto é o julgamento judicial dos novos tributos. Caso não haja nenhum projeto enviado ao Congresso, a expectativa é que a competência para análise dos novos tributos seja compartilhada. O IBS, pertencente aos estados e municípios, seria julgado pela Justiça Estadual, e a CBS, gerida pela União, ficaria na Justiça Federal.
A possibilidade, porém, não é bem vista por tributaristas. Entre outros motivos, têm-se o temor de que a divisão crie jurisprudências distintas para os tributos. O fato iria contra o objetivo de que o IBS e a CBS sejam “gêmeos”, contando com tratamento idêntico.
Outra possibilidade seria a criação de uma nova estrutura de julgamento. A opção, porém, demandaria a edição de uma PEC por mexer na estrutura do Poder Judiciário.
O Ministério da Fazenda chegou a esboçar a criação de uma PEC para tratar do assunto. Em março de 2024, integrantes da pasta entregaram ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, a proposta de criação de um foro nacional para julgamento do IBS e da CBS e de um novo tipo de ação judicial, por meio da qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveria conflitos relacionados aos novos tributos.
Na ocasião, membros da Fazenda afirmaram ao JOTA que não haveria impedimento legal para o envio da PEC diretamente ao Legislativo. Entretanto, seria “de bom tom” que o Judiciário encaminhasse o projeto, por ser o principal impactado.
A proposta, segundo fontes ouvidas pelo JOTA, desagradou integrantes do STJ, e não andou desde então. O tribunal possui uma comissão voltada à análise da reforma, presidida pela ministra Regina Helena Costa. Instituído em agosto de 2024, o grupo tem como objetivo diagnosticar os impactos da reforma na Justiça. A comissão tinha prazo inicial de 60 dias para apresentação de seu relatório final, mas a previsão foi prorrogada.
Não há um prazo certo para essa regulamentação. Entretanto, tributaristas apontam que a definição do assunto o quanto antes traria segurança. “Se uma empresa detecta uma ilegalidade ou inconstitucionalidade já no período teste, e quiser ajuizar uma ação para discutir o assunto, já precisa ter a competência judicial estabelecida e também a representatividade dos entes”, diz Lina Santin, advogada e pesquisadora do NEF/FGV.
Comitê Gestor
Outro tópico relevante da reforma ainda não formalizado é a instituição do Comitê Gestor do IBS, que reunirá representantes dos estados e municípios. O tema constava originalmente no PLP 108, mas frente à perspectiva de não aprovação do projeto em 2024 foi “herdado” pelo PLP 68. De acordo com uma fonte ligada aos estados, as unidades federativas começaram a enviar os nomes, e os municípios estão iniciando o processo eleitoral para definir seus 27 membros. O prazo máximo para instalação do comitê, que será responsável pela cobrança e gestão do IBS, é 31 de dezembro. Por outro lado, os membros do Conselho Superior do Comitê Gestor devem ser indicados em até 90 dias da data de publicação da LC 214.
Fonte: JOTA