O que o governo avalia mudar no vale-refeição? Entenda por que tem efeito no preço dos alimentos
BRASÍLIA – Parada desde 2022 no governo federal, a regulamentação do mercado de vale-alimentação e vale-refeição é uma das propostas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse avaliar para reduzir o custo da alimentação fora de casa. O tema entrou na lista de tarefas da equipe econômica após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acionar ministros para encontrar soluções para debelar a inflação dos alimentos, temendo os efeitos sobre a popularidade do seu governo.
As empresas do segmento, porém, afirmam que custos não estão sendo considerados
Atualmente, os restaurantes e os supermercados pagam uma taxa cobrada a cada operação que varia de 6% a 13% do valor da refeição ou da compra, um porcentual muito acima do praticado no mercado de maquininhas, de 1% a 2% a depender se a compra for no débito ou no crédito.
Isso ocorre porque o serviço de benefícios de alimentação é concentrado em quatro grandes empresas de tíquetes (VR, Sodexo, Alelo e Ticket), que detêm 80% do mercado. Além de emitir os cartões, elas são responsáveis por credenciar os restaurantes e os supermercados. Cada uma delas tem a sua própria rede e suas próprias maquininhas, o que implica custos que se sobrepõem e aumentam as taxas cobradas dos estabelecimentos.
Os lojistas, por sua vez, empurram esses custos para o preço das refeições, tornando a alimentação fora de casa mais cara. Por isso, a regulamentação em discussão pretende aumentar a competição e baixar os preços neste segmento.
O tema chegou a Lula em uma reunião com representantes do setor de alimentos e de supermercados em novembro. Na ocasião, a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) apresentou uma proposta de ampla reformulação deste mercado, que movimenta cerca de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões por ano, segundo a entidade.
Quem regula este mercado?
O ponto central é entregar este mercado à regulação do Banco Central, o que obrigaria as empresas que atuam no setor a operar segundo as regras que já valem para as instituições financeiras.
O argumento é que os arranjos financeiros que operam as maquininhas seguem regras para lidar com os lojistas. Por exemplo, não podem cobrar mais do que 0,70% em operações com recursos pré-pagos (como é o caso do VA e do VR), têm que repassar os recursos aos lojistas em até dois dias após a venda e são obrigadas a oferecer contratos padronizados, que não permitam que taxas extras sejam cobradas.
Hoje, por exemplo, as empresas de tíquete cobram além da taxa de administração, uma taxa sobre a transação, outra de anuidade e outra caso o lojista queira antecipar os recebíveis que terá com as vendas em VR ou VA. Tudo isso é repassado ao trabalhador.
A Abras também sugeriu a Lula que inserisse a Caixa neste mercado, a fim de criar uma competição estatal com as empresas de tíquete na oferta do serviço, forçando uma queda nas taxas. O argumento é que a origem dos recursos do VA e do VR é de renúncia de impostos.
As empresas que oferecem o benefício alimentação podem descontar os valores gastos com tíquete do seu Imposto de Renda até o limite de 4% do total devido. O benefício tributário foi criado nos anos 1970 para incentivar a alimentação dos trabalhadores e recebeu o nome de Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Por isso, este mercado tem travas fixadas pelo governo, como a que obriga que as despesas sejam feitas exclusivamente em estabelecimentos cuja natureza seja para a alimentação.
“A Caixa desempenha funções essenciais para o governo, como a gestão do FGTS, do Bolsa Família. Nada mais justo que o PAT também seja gerido pela Caixa, corrigindo o desvirtuamento que as operadoras privadas deram ao benefício do governo gerando inflação de preços de alimentos e tirando o poder de compra do beneficiário”, afirma o presidente da Abras, João Galassi.
Na semana passada, o ministro Fernando Haddad disse entender que a regulação cabe ao Banco Central. Mas o órgão de controle do sistema financeiro não pensa dessa maneira. Em normativo expedido em janeiro de 2023, o BC classificou essas empresas como não integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro, ou seja, fora do seu radar.
Nos bastidores, servidores do BC alegaram em reuniões com agentes que operam neste mercado que não há risco sistêmico a ser monitorado pela autoridade monetária, e que há muitas empresas a se fiscalizar, alargando demais o foco de atuação do BC.
A ausência do órgão nos debates, porém, é um dos fatores que vêm atrasando a regulamentação, segundo pessoas envolvidas na negociação.
Empresas de tecnologia estão de olho neste mercado
Apesar da elevada concentração nas quatro grandes empresas, fintechs entraram no setor, como a Flash, a Caju e o Ifood Benefícios, desde que uma lei reformulando o mercado foi aprovada em 2022. É a regulamentação dessa lei que está empacada desde então.
Diferentemente das líderes de mercado, no negócio dessas fintechs, quem faz o credenciamento dos restaurantes e dos supermercados são empresas que já fazem isso para as maquininhas de cartão de crédito, a Mastercard e a Visa.
Essas empresas entrantes defendem, para o governo, que uma queda de preços ocorrerá quando todas as empresas do ramo de VR e VA compartilhem as mesmas maquininhas e tenham acesso à rede umas das outras, gerando uma competição que diminuirá a concentração das quatro líderes de mercado. Outro ponto que elas vêm defendendo é que o trabalhador possa trocar de operadora caso tenha interesse, sem ficar preso ao que escolheu o RH da empresa.
Um estudo da LCA Consultores encomendado pela Ifood Alimentação, com dados do ano passado, indica que essas duas medidas poderiam gerar uma queda nas taxas cobradas dos restaurantes e supermercados que produziria uma economia de R$ 5,21 bilhões por ano, que poderia ser repassada no preço ao consumidor.
O que dizem as empresas de vale-refeição
As empresas de VR e VA, no entanto, divergem. Segundo Lúcio Capelletto, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que reúne as quatro líderes e outras empresas menores, as empresas têm custos no credenciamento e na checagem de supermercados e restaurantes, para garantir que o dinheiro é mesmo gasto com alimentação.
É importante que essa rede seja verificada para que realmente se venda, com recursos do PAT, produtos alimentícios. Se não, quem garante que não será usado para comprar celular, sapato ou cigarros?”, diz o executivo.
A entidade também defende que a regulação seja do Ministério do Trabalho e Emprego, ao entender que o benefício hoje já é atribuição da pasta chefiada pelo ministro Luiz Marinho.
Desde o ano passado, a entidade discute com o ministério criar uma rede permitindo que as fintechs tenham acesso à sua base de estabelecimentos. Em troca, elas passariam a seguir as mesmas regras de monitoramento de restaurantes e supermercados.
Capelletto criticou, porém, a sugestão da portabilidade, alegando que haveria custos para os RHs das empresas com as constantes trocas que isso pode provocar, “o que no fim vai gerar mais inflação”.
A ABBT também é contra a entrada da Caixa neste mercado, como defendeu a Abras para Lula, alegando que seria uma “estatização” deste mercado. “(A Abras) quer centralizar numa instituição financeira pública, estatal, que não tem esse foco. É um absurdo, vai fazer a Caixa alocar recursos no PAT, sem ter especialização. Haverá um custo para fazer isso. Hoje temos 400 empresas cadastradas no Ministério do Trabalho que competem neste mercado e isso é muito salutar. Vai colocar tudo numa instituição e estatizar?”, critica Capelletto.
Fonte: Estadão