Setor financeiro quer derrubada de vetos para impedir taxação de fundos na reforma tributária
Anbima e CNF se juntam a frentes parlamentares em questão que envolve fundo imobiliário e do agronegócio; governo avalia mudanças
São Paulo
Entidades do setor financeiro e frentes parlamentares se mobilizam para derrubar os vetos do presidente Lula (PT) que tratam de fundos de investimento imobiliários e do agronegócio no âmbito da reforma tributária.
Nesta quinta-feira (23), a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e a CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras) divulgaram nota em que pedem a derrubada dos vetos que afetam esses veículos de investimento.
Elas afirmam que os fundos não são fornecedores de serviços e, por isso, não poderiam ser classificados como contribuintes dos tributos que começam a ser cobrados em 2027 (IBS e CBS).
Também dizem estar trabalhando com parlamentares e outros envolvidos com o tema para “assegurar um tratamento tributário adequado para a indústria brasileira de fundos de investimento”.
As Frentes Parlamentares do Agronegócio e do Empreendedorismo já defenderam a derrubada dos vetos.
O Ministério da Fazenda e o Palácio do Planalto avaliam enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para alterar a redação da lei.
Os vetos se referem à lei complementar 214/2025, fruto do primeiro projeto de regulamentação da reforma, que foi sancionada pelo presidente Lula no último dia 16.
O Congresso Nacional colocou na lista de não contribuintes FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário) e Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio) que realizam operações com bens imóveis. O governo vetou esse trecho, argumentando que seria um benefício fiscal não previsto na Emenda Constitucional da reforma.
Anbima e CNF afirmam que a redação aprovada no Congresso “não concedia benefício tributário ou fiscal aos fundos, apenas listava situações específicas para garantir a segurança jurídica”.
As operações seriam tributadas com as alíquotas reduzidas em 50% para compra de venda e com redutor de 70% para aluguel.
Paulo Bento, sócio do Madrona Fialho Advogados nas áreas Tributária e Wealth Management, afirma que o texto atual não deixa dúvida sobre a tributação dos “FIIs de tijolo” e “Fiagros de terras”, aqueles que operam com ativos imobiliários —fundos de papel, que investem em títulos ligados a esses mercados não serão tributados.
A lei também deixa aberta a possibilidade de taxação de aplicações de outros fundos em títulos e valores mobiliários. O Ministério da Fazenda afirmou que esse não é o objetivo da norma e que esse trecho poderá ser alterado por meio de outro projeto de lei.
“Para acabar com a insegurança jurídica, o caminho é alterar a lei complementar”, afirma o tributarista. “No cenário atual, com os vetos eu tenho a insegurança jurídica decorrente de dispositivos genéricos e uma dificuldade de estabelecer efetivamente qualquer amplitude de incidência. E se os vetos forem afastados, o governo entende que os dispositivos são inconstitucionais.”
Em nota divulgada na sexta-feira (17), o Ministério da Fazenda afirmou que sempre defendeu que as aplicações de fundos de investimentos em títulos e valores mobiliários não sejam sujeitas à incidência do CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios.
Cândido Piovesan, trader da Nippur Finance, diz que, caso a tributação seja imposta, será difícil repassá-la aos locatários em um cenário econômico adverso, além da necessidade de renegociações contratuais, o que pode aumentar a insegurança jurídica.
“Há grande expectativa de que o veto seja revertido, com apoio de frentes parlamentares como a do agronegócio. Caso isso aconteça, o tema poderá ser levado ao STF, onde há argumentos de que a definição sobre a tributação dos fundos deveria estar prevista na Constituição e não apenas em uma lei complementar”, diz Piovesan.
Júlia Vituli, advogada do Candido Martins Advogados, também espera a judicialização do tema. “O setor pode pleitear na Justiça tratamento tributário igualitário entre fundos de investimentos em geral, independente do portfólio, o que poderia chegar ao STF. Por outro lado, em caso de derrubada do veto, o governo também poderá levar o tema ao Supremo.”
Fundos de investimentos são considerados sem personalidade jurídica, o que retiraria obrigações tributárias, realizadas apenas no nível dos quotistas do fundo, e não sobre o portfólio. No entanto, a Lei Complementar nº 214/2025 considera os fundos de investimentos como contribuintes do IBS e CBS ao incluí-los no conceito de “fornecedores” (art. 3º, § 2º). Tal mudança pode abrir margem para a taxação de fundos no geral.
“O veto do presidente abre espaço para que os fundos, dependendo da transação que fazem, possam ser tributados. A incidência de IBS/CBS é bastante ampla, incluindo quaisquer operações onerosas, mas títulos e valores mobiliários estão isentos por enquanto”, diz Ana Cláudia Akie Utumi, sócia-fundadora do Utumi Advogados.
Luis Cláudio Yukio Vatari, sócio do Toledo Marchetti Advogados, afirma que governo e setor privado já manifestaram a intenção de levar a questão para o Judiciário. “O mercado tem seus motivos para criticar os vetos, uma vez que os FII e Fiagro são veículos importantes para fins de diversificação de mercado, e a tributação de cerca de 9% [alíquota estimada no caso do aluguel] implica em um aumento de custo real e, consequentemente, diminuição do lucro a distribuir para os investidores.”
Fonte: Folha de São Paulo