Empresas trocam dívida para se protegerem de alta de juros

Companhias abertas alongam prazo e conseguem juros mais baixos com demanda maior no mercado de crédito privado

São Paulo

Um raio-X nas dívidas das empresas com ações na B3 revela que houve alta no endividamento, mas ocorreu um movimento de troca de crédito mais caro por outros com juros mais baixos como forma de proteção ao novo ciclo de elevação da Selic, a taxa básica.

Um levantamento feito pela consultoria Elos Ayta mostra que, entre o terceiro trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024, no total, a dívida saltou de R$ 1,6 trilhão para quase R$ 1,8 trilhão, uma alta de 9%.

No entanto, esse movimento ocorreu ao mesmo tempo em que as grandes companhias fizeram troca de dívidas mais curtas —com juros elevados— por outras mais longas e com juros mais baixos. A queda no endividamento de curto prazo, mostra a consultoria, foi de 3,6% no período.

Segundo Einar Rivero, fundador da Elos Ayta, isso mostra que, dessa forma, as empresas ficaram mais preparadas para enfrentar o novo ciclo de alta dos juros, após o revés sofrido entre 2021 e 2022 com a subida da Selic.

O levantamento considera dados do terceiro trimestre porque as companhias abertas ainda não disponibilizaram seus resultados do último trimestre de 2024.

Além disso, as companhias reforçaram o caixa. É o que mostra a relação entre o lucro operacional e a dívida bruta, indicador que reflete a capacidade de honrarem o pagamento de juros de suas dívidas.

Se a taxa Selic for usada como parâmetro, 25% das empresas do Ibovespa não tinham condições de honrar com as despesas de suas dívidas em setembro de 2023. Essa fatia caiu para 16% no mesmo mês do ano passado.

De maneira geral, as grandes empresas estão mais saudáveis”, diz Daniel Borini, cogestor de fundos de crédito privado da AZ Quest. “As companhias estão entrando relativamente bem em um cenário macroeconômico desafiador, em que os juros estão subindo.”

Na sua avaliação, as companhias optaram por segurar novos investimentos, priorizando a gestão de suas dívidas para aproveitar as ofertas de juros mais baixos.

Ao longo do ano passado, isso foi possível graças ao aquecimento do mercado de crédito privado por parte dos investidores como uma alternativa à Bolsa e em meio a incentivos do governo ao setor de infraestrutura. Com isso, os fundos de crédito privado receberam muito dinheiro. Como efeito, os spreads (diferença de rendimento entre o título do Tesouro e o título privado) caíram.

Relatório do Bradesco BBI mostra que o spread de crédito médio entre as debêntures em CDI+ de empresas com nota máxima de classificação de crédito caiu cerca de 55 pontos-base de janeiro até setembro de 2024, indo de 1,50% para quase 0,95%.

“A fotografia do momento é bonita. Mas a questão é: quão longo será o atual ciclo de alta dos juros? Se for longo demais, as empresas uma hora vão se deteriorar e perder a capacidade de pagamento. Por isso, estamos tirando o pé do acelerador”, diz Borini.

“Se o contexto macroeconômico atual não fosse tão ruim, o cenário prospectivo para as empresas seria positivo. Mas o que nos deixa em dúvida é até quando isso vai durar. É incerto.” Com Stéfanie Rigamonti


Fonte: Folha de São Paulo

Traduzir »