Congresso desidrata 19 pontos do pacote de corte de gastos e pode comprometer ajuste de Haddad
BRASÍLIA – O Congresso Nacional desidratou o pacote de corte de gastos do governo Lula mexendo em 19 trechos dos três projetos apresentados pelo Executivo para manter o arcabouço fiscal de pé. As mudanças feitas até a noite de quinta-feira, 19 – o Senado ainda vai analisar uma proposta – afrouxam medidas apresentadas pela equipe econômica, que já haviam sido vistas como insuficientes por economistas e agentes do mercado financeiro para reequilibrar as contas públicas.
Apesar das várias alterações feitas pelos parlamentares (veja lista abaixo), o Ministério da Fazenda insiste que a economia prevista está mantida.
As mudanças feitas no Congresso, e apoiadas pelo próprio governo para garantir a aprovação do pacote, impactam o corte de gastos esperado em programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), diminuem a arrecadação com o fim do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (DPVAT) e abrem caminho para aumento de despesas, com proteção às emendas parlamentares.
O governo considera que aprovou o possível. Ao apresentar o pacote fiscal há menos de um mês, a equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou uma economia R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026, até o término do mandato de Lula, atingindo uma economia de R$ 327 bilhões até 2030. O cálculo foi questionado por economistas, que não viram as medidas como suficientes para controlar o crescimento das despesas públicas.
Após a mudanças no Congresso, que deve finalizar a votação do pacote nesta sexta-feira, 20, o governo ainda não apresentou oficialmente um novo cálculo de impacto.
Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o Ministério da Fazenda mantém a mesma projeção de impacto fiscal. “Para o governo, a essência está mantida e não altera em nada a espinha dorsal do ajuste que o governo está fazendo”, disse. A explicação, segundo ele, é que, nas medidas de maior impacto – ganho menor do salário mínimo e Fundeb, – a conta não mudou.
BPC é o principal alvo de críticas e projeto foi o mais alterado
O projeto de lei que mexeu em benefícios sociais foi o mais alterado. Foram 11 mudanças no texto do relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) – dez delas relacionadas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
A alteração no BPC foi criticada desde que o pacote chegou ao Congresso, mobilizando a própria base aliada do governo contra o dispositivo.
O relator, entre outras mudanças, rejeitou a definição de “pessoa com deficiência” proposta no projeto do governo, excluiu da regra de coabitação os rendimentos de familiares que não moram na mesma casa e rejeitou a regra que considerava propriedade de bens ou direitos na concessão do benefício. Ele também não aceitou revogar que o benefício já concedido a qualquer membro da família não seria computado no cálculo da renda familiar.
“Queria reconhecer a importância das alterações das possibilidade de recebimento do BPC. Caíram pontos muito sensíveis, como aquele em que duas crianças com deficiências, uma delas teria que abrir mão do BPC. Ou o conceito de família estendida, que iria diminuir a possibilidade acesso ao BPC”, afirmou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
Deputados governistas avaliam que o governo errou na estratégia ao mexer no pagamento de um auxílio a pessoas carentes em troca de uma economia que não era tão relevante para o pacote fiscal. A equipe econômica esperava economizar R$ 2 bilhões por ano com o BPC, totalizando R$ 12 bilhões até 2030. “Tem que cortar gastos, mas o caminho não é começar pelo BPC. É uma economia que não faz sentido para o governo federal, em detrimento das pessoas que têm direito”, afirmou o deputado Duarte Junior (PSB-MA).
O governo argumenta que apresentou mudanças no BPC não para tirar o benefício de pessoas que dependem do auxílio, mas para combater as fraudes e o que o ministro Fernando Haddad chamou de “indústria de liminares”. “A mudança sobretudo é evitar e acabar com a indústria de liminares. O programa não altera a renda e ainda introduziu a biometria para acabar com as fraudes. Não estamos retirando nenhum direito”, afirmou o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE). O relator também derrubou a uma mudança na correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que geraria uma economia de R$ 16 bilhões até 2030, segundo a Fazenda.
Fonte: Estadão