Câmara desidrata pacote de Haddad, que ainda está em votação; veja lista parcial

Parlamentares afrouxa

Idiana Tomazelli Victoria Azevedo

Brasília

A conclusão da votação do primeiro projeto de contenção de gastos nesta quarta-feira (18) e a divulgação dos relatórios das outras duas propostas pendentes de aprovação expuseram a desidratação do pacote elaborado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Os parlamentares blindaram emendas obrigatórias contra bloqueios, afrouxaram o comando para combater supersalários, derrubaram boa parte das mudanças no BPC (Benefícios de Prestação Continuada) e excluíram a medida que permitiria à União reduzir os repasses futuros ao FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal).

Mesmo com as concessões, o governo precisou reforçar a articulação, destacar uma tropa de ministros para mobilizar as bancadas e acenar com a liberação de emendas extras para conseguir o apoio necessário para o pacote avançar nas duas Casas ainda neste ano.

Do ponto de vista fiscal, ainda não está claro quanto do impacto de R$ 71,9 bilhões esperado em dois anos já se perdeu pelo caminho. Só a derrubada das alterações no FCDF tira R$ 2,3 bilhões desse valor, sem contar as demais desidratações.

O ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política, negou a desidratação do pacote. Em conversa com jornalistas na noite desta quinta-feira (19), Padilha afirmou que o termo é incorreto e brincou que, como médico, não vê “nenhum sinal clínico”.

“Esse pacote não tem urina mais escura, não diminuiu o ritmo de urina, não tem boca seca, não tem mais sede, não tem nenhuma alteração nele que signifique desidratação do pacote. O que tem é aquilo que o Congresso Nacional tem sempre a liberdade de fazer, que é aprimorar”, disse.

A fonte de maior preocupação dos negociadores governistas era a PEC (proposta de emenda à Constituição). Seu conteúdo inclui mudanças no abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada), nos supersalários e no Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica) e prorroga a DRU (Desvinculação de Receitas da União). O texto foi aprovado na tarde desta quinta pela Câmara.

O relator, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), impôs ao governo um revés ao enfraquecer o comando que buscava extinguir brechas que permitem supersalários na administração pública.

O texto original previa a regulamentação do tema por lei complementar, mas o relator alterou para lei ordinária —que requer quórum menor e pode ser alvo fácil de flexibilizações. O instrumento também pode ser contornado por resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que têm status de lei ordinária.

No diagnóstico preliminar do Executivo, o texto apresentado na quarta mantém as válvulas de escape hoje usadas para turbinar salários com penduricalhos, especialmente no Judiciário.

O relator também reduziu a fatia da complementação da União ao Fundeb que poderá ser destinada à criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica.

O governo propôs uma fatia de 20%, o que renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões entre 2025 e 2026. O parecer reduz o percentual para 10% e cita apenas o ano de 2025.

Rodrigues ainda excluiu do texto o trecho que revogava a obrigação do governo em executar os programas previstos no Orçamento. Na prática, essa medida daria poder à equipe econômica para fazer contingenciamentos preventivos para cumprir o centro da meta fiscal, em caso de suspeita ainda não concretizada de frustração na arrecadação.

Para acelerar a conclusão da votação, o governo acertou a derrubada de um artigo que tratava do BPC (Benefício de Prestação Continuada). O texto autorizava descontar da renda familiar considerada no critério de acesso ao BPC apenas as parcelas expressamente previstas em lei, uma tentativa de fechar brechas exploradas principalmente em decisões judiciais para facilitar a concessão do benefício. O argumento para fechar o acordo é que essa mesma medida já consta em outra proposta do pacote.

No projeto de lei ordinária, o relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), manteve o limite ao ganho real do salário mínimo foi mantido no texto, o que garante uma das principais medidas do pacote. Seu impacto foi estimado inicialmente em R$ 11,9 bilhões nos primeiros dois anos, mas técnicos do governo afirmam que o valor efetivo pode ser maior.

Por outro lado, o parlamentar excluiu boa parte das mudanças no BPC, benefício de um salário mínimo (R$ 1.412) pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda (até R$ 353 por pessoa).

Bulhões derrubou as regras que restringiam o acúmulo de benefícios, ampliavam o conceito de família para o cálculo da renda e dificultavam a concessão do benefício a quem tem a posse ou propriedade de bens.

A mudança no critério de deficiência também saiu do parecer, mas o relator inseriu outros dois artigos que condicionam o benefício à avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave.

O relator ainda excluiu a mudança no modelo de reajuste anual dos repasses da União ao FCDF. Hoje, a verba é corrigida pela variação das receitas federais. A correção passaria a ser pela inflação, o que representaria um repasse menor ao longo dos anos.

Única proposta já aprovada tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado, o PLP (projeto de lei complementar) deu aval ao bloqueio de apenas parte das emendas parlamentares para cumprir os limites do arcabouço fiscal.

O tema, sensível para os congressistas, era alvo de um destaque para votação em separado. Isso significa que o bloqueio poderia ser inteiramente derrubado pelo plenário. Para evitar a derrota, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), apresentou de última hora uma emenda aglutinativa com a versão desidratada da trava —aprovada com amplo apoio do plenário.

Antes da concessão, o texto dizia que 15% das emendas poderiam ser alvo de bloqueio (em caso de alta nas demais despesas obrigatórias) ou contingenciamento (em caso de frustração nas receitas). Isso significaria, potencialmente, R$ 7,6 bilhões do total de R$ 50,5 bilhões em emendas previstas para 2025.

O dispositivo aprovado valerá apenas para as verbas não impositivas, que somarão R$ 11,5 bilhões (carimbadas como emendas de comissão). Isso significa que a trava será de, no máximo, R$ 1,7 bilhão.

A desidratação não se limitou à questão das emendas. O texto permite desvincular recursos de cinco fundos públicos para abater dívidas do governo —a versão original continha uma flexibilização mais ampla, que abarcava oito fundos.

O relator do projeto tirou três deles: Fundo Nacional Antidrogas, Fundo da Marinha Mercante e Fundo Nacional da Aviação Civil. Juntos, eles tinham um saldo de R$ 20,4 bilhões no fim de 2023, o que representa metade dos R$ 39,3 bilhões reunidos nos oito fundos no período. Rodrigues também derrubou o trecho que autorizava o governo a restringir o uso de créditos para abater tributos em caso de déficit nas contas públicas a partir de 2025.


Fonte: Folha de São Paulo

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