Barroso considera artigo 19 do MCI parcialmente inconstitucional; Mendonça pede vista
Presidente da Corte abriu divergência em relação a Toffoli e Fux, que votaram pela inconstitucionalidade do artigo
Carolina Unzelte, Luísa Carvalho
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, em seu voto no julgamento sobre a responsabilidade das plataformas digitais nesta quarta-feira (18/12), propôs uma série de medidas para regular a atuação de big techs no Brasil, incluindo alterações no regime de responsabilidade civil e a exigência de relatórios anuais de impacto seguindo o modelo do Digital Services Act (DSA) da União Europeia.
Assim, ele abriu divergência em relação aos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, que já votaram pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Logo depois do voto do presidente da Corte, o ministro André Mendonça pediu vista do caso e afirmou que o voto de Barroso é “o que mais se aproxima” do seu. Barroso ainda afirmou que gostaria de “avançar o mais rápido possível” nessa questão que é “aflitiva”.
Em seu voto, Barroso considerou o artigo 19 — que responsabiliza plataformas pelo conteúdo de terceiros apenas se elas não removem o post depois de uma decisão judicial — insuficiente para proteger direitos fundamentais e a democracia, mas votou por não eliminá-lo integralmente do ordenamento jurídico. Ele propôs uma interpretação que prevê mais exceções previstas no próprio Marco Civil. “As exceções para aplicação da regra do artigo 21 devem ser ampliadas”, disse.
Barroso reconheceu que o Marco Civil da Internet foi uma regulação inovadora e adequada quando foi criada, mas argumentou que ela não atende mais às demandas atuais. Segundo ele, na época de sua elaboração, havia uma visão romântica da nova tecnologia como um espaço democrático. “Acreditava-se na neutralidade da rede”, disse. “Hoje sabemos que não há essa neutralidade, as plataformas atuam na difusão, amplificação e monetização dos conteúdos.”
O presidente da Corte propôs que uma notificação privada seja suficiente para a retirada de conteúdos que configuram crimes, exceto em casos de crimes contra a honra. Ele argumentou que, quando há criação de perfis falsos e desinformação perigosa, as plataformas devem agir imediatamente ao serem notificadas, mas que, em respeito à liberdade de expressão, crimes contra a honra, como calúnia e difamação, devem continuar exigindo decisão judicial prévia para remoção.
Dever de cuidado
Barroso também rejeitou a ideia de responsabilidade objetiva, afirmando que a responsabilização deve ser baseada na falha no cumprimento do dever de cuidado das empresas de tecnologia, configurando negligência em casos específicos. “A responsabilidade por conteúdos de terceiros deve ser subjetiva e não objetiva. Em caso de dúvida, cabe ao Judiciário decidir”, disse.
Assim, as plataformas têm o dever de adotar medidas para mitigar riscos sistêmicos, como a disseminação de pornografia infantil, incitação ao suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia. Para ele, a falha no cumprimento desse dever deve ser considerada uma falha sistêmica e não meramente pontual. Segundo exemplo dado pelo ministro, se uma plataforma evita 99% dos casos de pedofilia e um conteúdo nocivo escapa, não há responsabilização imediata; no entanto, se 50% dos casos passam, isso caracteriza falha no cumprimento do dever de cuidado, justificando sanções.
As ações, para redes com mais de 10 milhões de usuários, devem ser publicadas em relatórios anuais inspirados no modelo europeu, de acordo com a proposta de Barroso. “A exigência de publicação de relatórios de impacto baseados no DSA permite o aproveitamento de boas práticas regulatórias já testadas”, disse. Não há razão para replicar algo que já foi feito por um órgão confiável.”
Ele comparou a adoção dos relatórios anuais no padrão europeu ao modelo regulatório já utilizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em outras áreas. Ele citou a Resolução Colegiada 741/2022, que permite à agência aproveitar análises realizadas por autoridades regulatórias estrangeiras para otimizar a aprovação de medicamentos e produtos médicos no país. Para o ministro, essa abordagem, conhecida como “reliance regulatório”, é eficiente em países com recursos escassos, como o Brasil, e pode ser aplicada à regulação das plataformas digitais.
Além disso, Barroso sugeriu que o Congresso Nacional crie um órgão regulador independente, com representantes do governo, empresas, sociedade civil e legislativo, para monitorar as ações das plataformas e aplicar sanções quando necessário. Para ele, também a definição de critérios para regulação são atribuições fundamentais do Legislativo. “Nós respeitamos o Congresso e as dificuldades de consenso nessa matéria, mas estamos estabelecendo um regime jurídico provisório, porque ainda não há lei. A prerrogativa e a primazia são do Legislativo”, afirmou o presidente da Corte.
Marketplaces
O ministro Barroso também defendeu que as discussões do julgamento não devem ser aplicadas aos marketplaces, plataformas de comércio online que reúnem diversos vendedores. A menção a esse tipo de site apareceu no voto de Dias Toffoli, especialmente em relação a produtos falsificados vendidos online, e que potencialmente representam riscos aos consumidores.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou a opinião do presidente e sugeriu que o julgamento delimitasse claramente as plataformas abrangidas, diferenciando redes sociais de plataformas de e-commerce. Para Barroso, no caso de produtos falsificados ou ilegais, essas plataformas devem seguir as regras do Código de Defesa do Consumidor.
Discussões
Durante a sessão, ministros que ainda não votaram também se manifestaram. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, refutou a ideia de que as plataformas não teriam condições técnicas de moderar o que é postado, principalmente em casos de cyberbullying. “As plataformas têm total condição de controlar o que é uma ofensa racista, nazista ou um ato antidemocrático. O que elas não têm é boa vontade porque lucram com isso”, afirmou.
Já o ministro Kássio Nunes Marques levantou preocupações sobre as decisões das plataformas de retirada ou não de conteúdo e o impacto de tê-las como árbitros de publicações. “A partir do momento que se empodera a plataforma, entregamos um poder absoluto para julgar o que é certo e errado, o que é grave ou não”, afirmou. “O risco do viés ideológico é real. Empoderar plataformas sem limites pode gerar uma espécie de censura privada com base nos interesses delas”
Câmara Superior do Carf mantém tributação sobre stock options
Na prática foi mantida decisão de que stock options têm natureza remuneratória
Fernanda Valente
Por unanimidade, a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não conheceu do recurso do contribuinte e, na prática, manteve decisão que entendeu que as stock options têm natureza remuneratória e estão sujeitas à incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
O julgamento ocorreu em 7 de agosto. Portanto, antes da decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 1226, no qual ficou definido que os planos de opção de compra de ações oferecidos a funcionários pelas empresas têm natureza mercantil, ou seja, não configuram remuneração.
No caso analisado, a fiscalização autuou o contribuinte pela falta de retenção do Imposto de Renda sobre as remunerações atribuídas aos administrados por meio de opções de compra de ações. Tal atividade foi feita mediante stock options, um programa de incentivo no qual as empresas fornecem aos empregados o direito de adquirir ações a um determinado preço fixo e com potencial de lucro.
O entendimento da fiscalização é de que a natureza das stock options não é mercantil, mas sim remuneratória e por isso elas se sujeitam à incidência do IRRF. O contribuinte, por sua vez, sustenta que o colaborador que compra a ação está sujeito a oscilações de mercado, tem autonomia e voluntariedade, desta forma, o caráter das stock options seria de investimento, e não de remuneração.
O contribuinte também argumentou que não há rendimento ao adquirir a ação e, ainda que houvesse, seria apenas no momento da venda da ação, e não na data da assinatura do plano, como manifestou o fisco.
O recurso foi apresentado pelo contribuinte contra decisão da 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção. À época do julgamento, em novembro de 2022, os conselheiros concordaram com a fiscalização sobre a natureza das stock options e também sobre o momento do fato gerador.
Na Câmara Superior, os conselheiros trataram apenas do conhecimento do recurso, não discutindo o mérito por falta de similitude fática entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma apontado.
O processo tramita com o número 16327.720149/2017-12 e envolve a Itaú Unibanco Holding S.A.
Fonte: JOTA