Reforma tributária: o que a Câmara pode derrubar e o que deve manter no texto aprovado pelo Senado

BRASÍLIA – A Câmara analisa na próxima semana, pela segunda vez, o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária. O texto foi aprovado nesta quinta-feira pelo Senado Federal; mas, como houve alterações, a proposta retorna para mais uma análise dos deputados antes de ir à sanção presidencial.

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A Câmara, no entanto, como casa revisora, poderá apenas confirmar ou rejeitar as modificações feitas pelo Senado, sem mudar o conteúdo das propostas. O relator da regulamentação da reforma tributária na Casa, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou ao Estadão que se reunirá neste domingo com o grupo de trabalho e também com a Fazenda para discutir o tema.

Veja o que os deputados podem mudar em relação ao texto aprovado no Senado:

Medicamentos

O relator defende que o texto volte a contemplar a lista de medicamentos que terão alíquota zero, conforme o projeto originalmente aprovado pelos deputados. Ainda assim, segundo apurou a reportagem, Lopes vai levar o assunto para ser tratado no colégio de líderes.

No Senado, o relator Eduardo Braga (MDB-AM) retirou essa lista e a substituiu por seis áreas gerais que chamou de “linhas de cuidado”, remetendo a definição individual dos remédios que serão zerados a uma nova lei complementar. Ou seja, pelo texto atual, a lista dos medicamentos será estabelecida somente nas discussões de um novo projeto de lei – o que gerou preocupações no setor farmacêutico e entre integrantes do Ministério da Saúde.

Quando apresentou o relatório, o senador argumentou que a saída foi construída porque o rol de medicamentos para entrar na regulamentação estava crescendo muito, demandando uma discussão muito específica da área da saúde. O anexo com os nomes dos remédios saiu da Câmara com 383 itens; mas, segundo Braga, nos debates no Senado já havia aumentado para 486, sendo que novas demandas ameaçavam aumentar a lista para 600 medicamentos.

As farmacêuticas já estão mobilizadas para reverter essa mudança na Câmara. O Grupo FarmaBrasil, que representa as 12 maiores empresas farmacêuticas do País, argumenta que o eventual descasamento entre a vigência do novo sistema tributário e a lei sugerida com a lista de medicamentos geraria uma lacuna perigosa para o preço dos produtos.

“Essa situação agravaria o custo desses produtos no varejo, prejudicando diretamente os pacientes que dependem desses tratamentos e comprometendo o acesso a medicamentos e possivelmente aumentando a judicialização e sobrecarregando o SUS”, disse o presidente-executivo da associação, Reginaldo Arcuri.

No texto aprovado pelo Senado, a definição para quem terá alíquota zero se limitou à listagem de linhas de cuidado que têm relação com os remédios a receber esse tratamento especial: tratamentos oncológicos, doenças raras, DST/Aids, doenças negligenciadas, vacinas e soros e diabetes mellitus. Além disso, garante o benefício para compras governamentais e para os itens que atendem ao programa Farmácia Popular.

Saneamento

A Câmara tende a retirar a proposta aprovada pelo Senado que equiparou o regime especial de tributação do saneamento ao regime da saúde, com desconto de 60% sobre a alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado, apurou o Estadão/Broadcast.

Essa alteração foi considerada a mais significativa, já que adicionaria mais 0,38 ponto porcentual à alíquota padrão, nos cálculos do secretário especial da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

Imóveis

Os redutores de alíquota aprovados pelo Senado nas operações envolvendo imóveis tendem a ser mantidos pela Câmara. Pelo texto aprovado pelos senadores, para a venda de imóveis, a alíquota incidente será de 50% da alíquota padrão do IVA.

O texto que saiu da Câmara previa um redutor de 40%. Já no caso do aluguel, arrendamento e cessão, o redutor foi elevado para 70% – o anterior era de uma redução de 60% da alíquota padrão.

Zona Franca

Os deputados também deverão reavaliar os incentivos adicionais concedidos à Zona Franca de Manaus. Conforme mostrou o Estadão, Braga incluiu vantagens que extrapolam até os benefícios existentes hoje para as empresas da região.

Braga elevou o crédito presumido de IBS para as vendas feitas fora da Zona Franca e ampliou o acesso de empresas de setores como ar-condicionado, bicicletas e vestuário ao benefício. Ele também permitiu que mais empresas tenham acesso a um crédito presumido de CBS (IVA de atribuição federal).

Além de incentivos à toda a região, Braga também inseriu um benefício para a Atem, distribuidora que controla a única refinaria na região. Isso porque ele alterou a regra da Zona Franca permitindo que atividades de refino, desde que desempenhadas na região, tenham acesso ao conjunto de benefícios. Atualmente, a atividade de refino não pode acessar benefícios da Zona Franca.

O relator da reforma na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), adiantou que todos os pontos inseridos que foram objeto de acordo serão analisados pelo colégio de líderes da Casa e poderão eventualmente ser cortados.

Substituição tributária

A incorporação pelo Senado de uma mudança que permite a substituição tributária para setores como cigarros e bebidas deve ser discutida ainda com o Ministério da Fazenda. A substituição tributária é um mecanismo que transfere a responsabilidade pelo pagamento de um imposto para um contribuinte anterior na cadeia produtiva.

A reportagem apurou que esse foi um pedido feito por todos os governadores. A avaliação deles é de que o mecanismo é eficiente para o combate à sonegação.

Especialistas apontam, porém, que a substituição tributária vai no sentido oposto da simplificação do sistema, que é a espinha dorsal da proposta. Segundo tributaristas, o mecanismo torna a vida das empresas mais complexa, ainda mais se houver incentivos fiscais. Isso porque, para fazer o recolhimento de impostos em uma única etapa, é preciso fazer uma estimativa sobre as operações seguintes na cadeia produtiva.

“A substituição tributária adiciona muita complexidade ao sistema tributário. Da forma proposta no PLP 68 (projeto aprovado no Senado), implicaria recolhimentos antecipados do IBS e da CBS na cadeia, o que exigiria cálculos estimados, com base em pautas, que podem não refletir as operações reais”, afirma Breno Vasconcelos, sócio de Mannrich e Vasconcelos Advogados e professor do Insper. “Isso demanda muito tempo das empresas com apuração, verificação posterior do valor efetivo da operação e apresentação de pedidos de ressarcimento, quando o valor estimado fica superior ao efetivo, contrariando os princípios de simplicidade e eficiência que o novo regime tributário busca promover”, acrescentou.


Fonte: Estadão

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