Meia-entrada da reforma tributária já leva alíquota a mais de 29%

Preço pago para viabilizar a mudança fica cada vez maior, mas ganhos ainda são relevantes; Senado preservou pilares, mas adicionou exceções e complexidad

Eduardo Cucolo

São Paulo

O projeto de regulamentação da reforma tributária aprovado no Senado preserva os pilares do novo sistema, mas o preço para viabilizar sua aprovação foi alto.

Cálculos do Banco Mundial feitos a pedido da coluna apontam uma alíquota-padrão de pelo menos 29,23%. Eram 26,5% na proposta do governo e 28,05% após a primeira votação na Câmara.

Essa será a tributação sobre bens e serviços sem benefícios fiscais. Na média, a carga desses tributos continua em 20%. Alguns vão pagar meia-entrada. Outros, a inteira.

Ainda são relevantes os ganhos trazidos pela simplificação do sistema, pela redução de benefícios fiscais e pela desoneração das atividades com o fim da cumulatividade. Também haverá redução da sonegação com a nova forma automática de arrecadação —para citar alguns dos pontos mais importantes.

Mas os ganhos foram reduzidos com as concessões feitas para garantir a aprovação do texto ainda neste ano. Muitas delas com base em interpretações e cálculos equivocados.

Das mais de 2.000 emendas apresentadas pelos senadores, cerca de 700 foram aceitas. Uma limpeza do texto já está em curso na Câmara dos Deputados, que dará a palavra final sobre o projeto.

Thais Veiga Shingai, especialista nas áreas tributária e previdenciária do Mannrich e Vasconcelos Advogados, afirma que o Senado melhorou a redação de alguns artigos que estavam confusos, mas o aumento de exceções e tratamentos específicos abre espaço para judicialização.

“Todos esses detalhes tornam a lei complementar cada vez mais complexa, mais difícil de interpretar. Estamos fazendo essa reforma para simplificar o sistema. Então é preciso ter cuidado para, na tentativa de melhorar o texto, não deixá-lo ainda mais complexo.”

Virgínia Pillekamp, sócia da área tributária do BMA Advogados, também avalia que houve melhoras e pioras no texto durante a discussão no Senado, sendo positiva a mudança em relação aos medicamentos e negativa na definição sobre tributação do aluguel. Para ela, o saldo é positivo, mas o número de situações diferenciadas preocupa. “Continuamos em um sistema de exceções.”

Os senadores também ressuscitaram a substituição tributária, um retrocesso que contraria a ideia de arrecadação no destino e importa para o novo sistema parte do manicômio do ICMS. “Quando se antecipa a tributação, perde-se o controle sobre o local correto para destinar o IBS, dificultando a alocação para o estado e o município destinatários, o que pode até gerar um problema federativo”, afirma Maurício Barros, sócio da área Tributária do Cescon Barrieu.

Ana Cláudia Utumi, sócia fundadora da Utumi Advogados, afirma que as mudanças foram relativamente modestas em relação ao projeto de lei complementar aprovado na Câmara em julho, sem alterar as linhas gerais da proposta. Em 2023, durante os debates da PEC (proposta de emenda à Constituição) que deu origem à reforma, o Senado fez alterações mais profundas no texto.

Para ela, do ponto de vista dos contribuintes, a reforma torna o sistema tributário brasileiro melhor do que o atual, mas não será um sistema simples. “Não vou ter mais 27 legislações estaduais, 5.000 e tantas municipais, legislação federal de PIS/Cofins. Trago todo o mundo para uma mesma norma. Há algumas diferenças entre IBS e CBS, mas basicamente as mesmas regras”, afirma. “Mas as regras, tais como estão postas, estão longe de serem simples. Não dá para dizer que o nosso sistema é o sistema europeu.”


Fonte: Folha de São Paulo

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