Audiência pública de uberização no STF traz guerra de versões
Guerra de versões também ocorre quando se fala em proteção do motorista e sua família, em caso de acidente, roubo e morte
A manhã desta segunda-feira (9/12), no primeiro dia de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) para tratar do reconhecimento de vínculo de motoristas com aplicativos, já deu o tom sobre a relevância e complexidade do tema, e principalmente, de que há uma espécie de “guerra de dados” e informações que resultam realidades completamente diferentes.
No Brasil já são cerca de 1,5 milhão de motoristas e entregadores, que sem lei específica, aguardam uma definição da Justiça ou do Congresso. Foram ouvidos até agora advogados de 21 entidades, sindicatos e representantes de empresas. Em boa parte do tempo, houve silêncio no plenário, mas alguns dados apresentados geravam reação da plateia.
Luciano Benetti Timm, representante da Associação Brasileira de Liberdade Econômica, por exemplo, afirmou que 41% dos motoristas ganham acima de três salários mínimos, e, portanto, não estão em camada “hipervulnerável”. Ele citou como fonte para o dado “estudos de economistas e neurocientistas” que serão anexados ao processo. Ainda segundo a pesquisa mencionada por Timm, 85% dos motoristas valorizam a flexibilidade do trabalho e 70% são contra a aplicação de regras CLT.
Já a advogada Solimar Machado Corrêa, representante do Sindicato de Motoristas de Transportes por Aplicativo do Estado do Pará (SINDTAPP), disse que é “falaciosa” a ideia de que os motoristas seriam microempresários e que, caso o STF aceite o modelo atual como autonomia, irá perpetuar “uma lógica que nega aos motoristas direitos mínimos, rebaixando-os a cidadãos de segunda categoria e distanciando-os da dignidade e proteção que são pilares de uma sociedade justa e igualitária”.
Para ela, a Uber exerce um controle sem precedentes desses motoristas, por meio do algoritmo. “Ela monitora a localização em tempo real, estabelece a frequência da execução das tarefas, define o desempenho, avalia a qualidade do trabalho prestado e impõe penalidades, como suspensão ou desligamento em caso de descumprimento das ordens da Uber”, disse.
José Eymard Loguercio, advogado representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirmou que o Supremo [ao negar o vínculo a entregadores e motoristas de aplicativos em reclamações] tem emitido decisões contraditórias em relação a tendências mundiais de regulamentação do trabalho por apps. “A Diretiva Europeia, que sai agora [que admite o vínculo], é importantíssima como referência.” Segundo Loguercio, a narrativa que apresenta motoristas como autônomos e as empresas como intermediadoras neutras mascara a verdadeira relação de trabalho e exime as empresas de suas responsabilidades trabalhistas, previdenciárias e tributárias.
Já Luciano Benetti Timm ressaltou que não podemos comparar o Brasil com Espanha e França, países desenvolvidos que não investem em inovação. Teríamos que comparar o contexto do Brasil com a China ou a Índia.
Para André Porto, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), o reconhecimento de vínculo significaria uma perda de R$ 33 bilhões no PIB e redução de R$ 2 bilhões em arrecadação, segundo estudo encomendado pela entidade para a consultoria Ecoa. Porto afirma que o estudo da Ecoa prevê uma redução de pelo menos 905 mil postos de trabalho e que os motoristas poderiam perder até 30% da sua remuneração, enquanto os entregadores veriam seus ganhos reduzidos em até 49%. “Os preços das corridas poderiam subir até 32,5% e as entregas teriam aumento médio de 25,9%.”
A guerra de versões também ocorre quando se fala em proteção do motorista e sua família, em caso de acidente, roubo e morte.
Leandro da Cruz Medeiros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte Terrestre Intermunicipal do Estado de São Paulo (STATTESP), participante da audiência pública promovida pelo STF nesta segunda-feira, disse que a Uber não prestou assistência a famílias de motoristas mortos durante o serviço. Ele citou os casos de Arnaldo da Silva Viana, que morreu em um acidente causado por uma Porsche que trafegava a 136 km/h na Avenida Salim Farah Maluf, zona leste de São Paulo, e de Celso Araújo Sampaio Novaes, morto no Aeroporto de Guarulhos durante um tiroteio envolvendo criminosos.
Gustavo Ramos, representante da Associação dos Trabalhadores por Aplicativo do Distrito Federal, falou quase 60% dos trabalhadores de aplicativo relatam terem sofrido acidentes de trânsito, assalto ou agressão durante o trabalho e que 60% a 70% das pessoas em estado mais grave no Hospital das Clínicas da USP trabalham com aplicativo de entregas”, disse. “Nós estamos falando aqui de um exército de pessoas amputadas […] incapazes para o trabalho […] e todas às custas do SUS e da assistência social.”
Já Diego Barreto, CEO do iFood, afirma que a plataforma de entregas oferece seguro para entregadores desde 2019, que abrange acidentes durante as rotas e oferece suporte às famílias em caso de óbito. A depender das manifestações ouvidas, os ministros terão trabalho se tentarem tomar sua decisão com base no que poderia ser chamada de realidade à luz da Constituição, no momento em que o plenário for definir, em repercussão geral, se existe ou não vínculo empregatício e que tipo de proteção deveria ser assegurada a esses trabalhadores.
Fonte: JOTA