Toffoli vota para barrar regra do Marco Civil, ampliar responsabilização e criar deveres para redes

Relator no STF defende que plataformas devem agir proativamente e podem responder por conteúdos de terceiros mesmo sem ordem judicial

Ana Pompeu Renata Galf

Brasília e São Paulo

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quinta-feira (5) para barrar a regra do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que disse ser inconstitucional, e para ampliar a responsabilidade das redes sociais por conteúdos postados por seus usuários.

Ele propôs a criação de uma série de deveres para as plataformas e a criação de um departamento no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para acompanhamento do cumprimento da decisão.

O voto de Toffoli foi concluído na quarta sessão do julgamento sobre os processos que tratam de trechos do Marco Civil da Internet —dentre eles, o artigo 19, que trata da responsabilização das redes sociais por conteúdos de terceiros.

Toffoli e o ministro Luiz Fux relatam os dois casos em análise na corte desde a última semana. A previsão é Fux votar na próxima quarta (11) para, então, o restante dos ministros se pronunciarem.

Assim como o ministro Flávio Dino, Toffoli buscou rebater críticas de que o STF estaria legislando e disse que faria um apelo ao Congresso Nacional para que criasse uma regulação sobre o tema.

Apesar de o clima no Supremo ser favorável a estabelecer limites às redes, a posição de Toffoli de derrubar o artigo 19 na íntegra deve ser alvo de divergência entre os ministros. Além disso, o número de variáveis colocadas no debate deve dificultar a formação de maioria por uma tese sobre o assunto.

Segundo o voto de Toffoli, as plataformas passariam a poder ser responsabilizadas a partir do momento em que forem notificadas por usuários, e não mais apenas após o descumprimento de uma decisão judicial, como é estabelecido hoje pelo artigo 19. Para ele, o modelo atual confere uma imunidade às redes sociais.

O relator propôs usar outro trecho do Marco Civil como parâmetro para essa regulação. O artigo 21 deve, para ele, ser a regra geral para balizar a responsabilização das redes, prevendo apenas a necessidade de notificação da vítima ou de seu representante legal para que as empresas possam ser responsabilizadas por não terem agido.

Hoje esse item só se aplica a casos de violação de intimidade, com divulgação de imagens com nudez ou atos sexuais sem autorização. Segundo o voto de Toffoli, inúmeros outros temas entrariam neste rol, como crimes contra honra.

Assim, quem se sentir ofendido por algum conteúdo publicado em alguma rede social poderá entrar em contato com a empresa e, a partir daí, a atitude da empresa em atendimento à reclamação já passa a ser passível de indenização.

“Não é um sistema de notificação-derrubada. Notifica-se e se analisa. E a plataforma assume o risco. Ela pode tirar ou não tirar de acordo com a jurisprudência, com as leis do país, com aquilo que é legal ou ilegal”, afirmou.

No entanto, Toffoli propõe uma série de exceções à regra. Ou seja, casos em que não seria necessária nem mesmo a notificação prévia para que as empresas fossem responsabilizadas.

Neste rol, segundo o voto do ministro, entrariam conteúdos impulsionados, moderados e recomendados pelas redes. Ele argumenta que essas práticas são intrínsecas aos modelos de negócios das empresas e, assim, elas lucram e devem arcar com os riscos e prejuízos dessa atuação.

“Os conteúdos continuam sendo de terceiros, porque foram confeccionados e/ou publicados por eles. Mas, ao recomendá-los ou impulsioná-los a um número indefinido de usuários, o provedor acaba se tornando corresponsável pela sua difusão”, disse.

Essas exceções à necessidade de notificação abrangem ainda pontos ilícitos ou criminosos, que o ministro classificou como “práticas especialmente graves”.

Ele cita, entre outros, terrorismo, racismo, indução ao suicídio, violência contra criança ou adolescente, violações contra a mulher, infração sanitária, e tráfico de pessoas. Inclui também desinformação eleitoral, citando resoluções do TSE (Tribunal Supremo Eleitoral).

Entrariam nas exceções, em que não é necessária notificação para responsabilização, perfis falsos e contas que chamou de “inautênticas, sem identificação ou automatizadas” —momento em que falou em robôs.

Toffoli propôs ainda a criação de uma série de obrigações para as redes sociais, algumas delas remetendo a itens que chegaram a ser debatidos no PL das Fake News, mas com formulações e amplitudes distintas. Em tramitação desde 2020 na Câmara dos Deputados, tal projeto foi levado à estaca zero este ano.

Entre os deveres previstos por Toffoli estão os de combate e prevenção de práticas ilícitas, elaboração de código de conduta, apresentação de relatórios, incluindo análise de riscos sistêmicos dessas plataformas.

O ministro previu também que empresas com sede no exterior devam ter representante legal no país, tema que foi bastante debatido no contexto do Telegram, em 2022, e do X (ex-Twitter) este ano.

No caso de marketplaces, como Mercado Livre, Amazon, Shopee, o ministro defendeu que elas devem ter responsabilidade, independente de notificação ou decisão judicial, nas hipóteses de produtos de venda proibidas, sem certificação ou homologação pelos órgãos competentes do país.

Já no caso de provedores de emails ou para reuniões privadas, como Zoom ou Google Meet, assim como aplicativos de mensagens, o ministro diz que não haveria responsabilização da empresa pelo conteúdo de terceiros circulando nelas.

Apesar de excluir aplicativos de mensagem, Toffoli afirmou que quando as circunstâncias demonstrarem que eles estão sendo usados de modo mais próximo às redes sociais para difusão de conteúdo ofensivo ou ilícito, deixa de valer a exceção.

O ministro também buscou rebater que a derrubada do artigo 19 implicaria em riscos à imprensa, sob argumento de que para plataformas e blogs jornalísticos vale a mesma regra que para a imprensa “fora do virtual”, e citou a lei de direito de resposta.

Na primeira parte do voto, Toffoli afirmou que o trecho da lei não foi capaz, desde a sua edição, de proteger direitos fundamentais e resguardar princípios e valores constitucionais nos ambientes virtuais, além de não fazer frente aos riscos que surgiram a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios das big techs. Ainda que apenas Toffoli tenha tido oficialmente a palavra para voto, outros ministros têm feito comentários ao longo das sessões, no geral com críticas às big techs.


Fonte: Folha de São Paulo

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