Ministério da Fazenda precisa orar a Pacheco e a Lira pelo pacote de gastos
A impressão que ficou, após o breve alívio no dólar e na curva de juros ao longo do pregão de sexta-feira passada, é que investidores, analistas, gestores de fundos e empresários estão depositando toda a esperança agora no Congresso para evitar que as contas públicas saiam novamente dos trilhos, como aconteceu durante o governo de Dilma Rousseff.
Só para lembrar: no auge do estresse do mercado após a divulgação das medidas de ajuste fiscal, o dólar tocou na máxima histórica de R$ 6,11. Mas chegou a ceder até abaixo de R$ 5,96 após as declarações do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, na direção de priorizar – “com celeridade e boa vontade” – a votação do chamado pacote de cortes de gastos e também de condicionar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil se houver espaço nas contas públicas. O alívio, porém, foi curto. E a semana encerrou com a moeda americana a R$ 6.
O azedume não foi somente por causa da inoportuna surpresa de antecipar a reforma do IR: além de as medidas de ajuste fiscal terem sido consideradas insuficientes e aquém das estimativas alardeadas pela equipe econômica, o pacote teve na sua composição muito de rearranjo de despesas e pouco de cortes de gastos obrigatórios de forma estrutural. Ficou evidente que o presidente Lula não está disposto a perseguir uma política fiscal responsável, visando manter algum controle da trajetória da dívida pública.
Se nada for feito, o futuro é preocupante. Basta se lembrar que, no governo Dilma, o Banco Central foi forçado a elevar os juros a 14,25% e mantê-los nesse patamar de julho de 2015 até outubro de 2016, após um período de grande descontrole fiscal. Mesmo assim, a inflação em 2015 acelerou até 10,67%. Em janeiro de 2013, o dólar ainda estava abaixo de R$ 2. Em 2015, superou R$ 4.
Com o ministro Fernando Haddad acumulando tantas derrotas, sua credibilidade é muito baixa hoje. Ele disse que o pacote não é o “gran finale” de tudo o que precisa fazer e prometeu que, daqui a três meses, pode estar discutindo outras medidas. Essa fala não fez preço. E por quê? Após ele enrolar o anúncio do pacote por um mês e inflar as expectativas com um número de ajuste de R$ 70 bilhões, o mercado não vai mais embarcar nas promessas doces do ministro. Resta ao Congresso assumir a responsabilidade fiscal de que Lula abriu mão. A partir de agora, o mercado vai reagir mais a cada palavra de Pacheco e de Lira. Se o pacote sair do Congresso mais duro do que aquele que Haddad enviou, o dólar recua.
Críticas a pacote e emendas dificultam ajuste de Haddad na Câmara e pressionam governo Lula
Executivo tenta colocar propostas em votação ainda nesta semana, mas enfrenta questionamento sobre tamanho do ajuste e é cobrado pelo pagamento de emendas parlamentares; leia bastidor
BRASÍLIA – O governo Lula tenta iniciar a votação do pacote de contenção de gastos ainda nesta semana na Câmara, mas enfrenta alguns movimentos no Congresso que dificultam a aprovação dos projetos de forma acelerada – como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negociou com a cúpula do Legislativo.
Críticas ao tamanho do ajuste fiscal, tanto de governistas quanto da oposição, indefinição sobre o pagamento de emendas parlamentares e dúvidas sobre como ficará o Orçamento de 2025 estão entre os motivos do impasse nos bastidores do Congresso.
Articuladores do Palácio do Planalto tentam aprovar ainda nesta terça-feira, 3, os pedidos de urgência – requeridos pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – do projeto de lei ordinária e do projeto de lei complementar que fazem parte do pacote no plenário. Eles tratam da revisão dos critérios de adequação das famílias ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), ao Bolsa Família e do reajuste do salário mínimo dentro das limitações do arcabouço fiscal.
A intenção do governo é votar a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que também integra o corte de gastos, na quarta-feira, 4, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Depois disso, o texto tem que ser
A estratégia, porém, desagradou algumas alas da Câmara. O União Brasil, partido com 59 deputados, fez uma reunião e fechou de forma unânime posicionamento contra a urgência dos projetos. Além disso, a bancada escalou o deputado Kim Kim Kataguiri (SP) para pedir vista (mais tempo para a análise) se a PEC entrar na CCJ.
“Me parece que o governo bateu muita cabeça com relação às medidas econômicas necessárias, nunca teve convicção com relação a elas e aí está querendo atropelar um pouco o processo”, disse o deputado Mendonça Filho (União-PE).
Nos bastidores, deputados especulam a possibilidade de Lira puxar a PEC para votação diretamente no plenário, o que poderia acelerar a sua tramitação. Mas há questionamentos sobre se a manobra é autorizada pelo regimento. “Se o governo tem essa urgência toda, deveria ter apresentado o pacote antes”, afirmou o Kataguiri.
Há algumas resistências no conteúdo, principalmente a mudanças nas regras do BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. O pacote do governo acrescenta mais critérios para o cálculo da renda que serve para dizer se uma pessoa tem ou não direito ao benefício.
Pode acontecer tudo, inclusive nada’
“É como diz a música do Flávio José: pode acontecer tudo, inclusive nada”, disse o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), cotado para assumir a relatoria da PEC do corte de gastos. Ainda não há definição sobre quem assumirá a relatoria dos projetos do BPC e do salário mínimo.
Na tarde desta terça-feira, 3, um grupo de frentes parlamentares, incluindo a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), a Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS) e a Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM), defendeu um pacote com medidas mais duras, que aumentem o potencial de economia no Orçamento.
“Todo mundo sabe que o que o governo está apresentando não é suficiente. Não está no DNA deste governo cortar gastos, ele quer arrecadar mais e compensar a gastança com maior arrecadação”, disse o presidente da FPE, que reúne 214 deputados, Joaquim Passarinho (PL-PA).
No lado da esquerda, deputados do PSOL que integram a base do governo protocolaram um projeto que revoga os limites do arcabouço fiscal, em uma tentativa de enfraquecer a agenda de Haddad na Câmara. A proposta foi apresentada com críticas ao pacote de corte de gastos.
Como consequência direta dessa lógica de austeridade, retrocessos já estão sendo implementados, como demonstrado pelo recente pacote de cortes fiscais proposto. Dentre as medidas mais preocupantes estão a restrição de acesso a direitos fundamentais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o abono salarial e a valorização do salário-mínimo”, escrevem os deputados Sâmia Bomfim (SP), Fernanda Melchionna (RS), Luiza Erundina (SP), Glauber Braga (RJ), Chico Alencar (RJ) e Tarcísio Motta (RJ) na justificativa da proposta.
Embora essas iniciativas localizadas não sejam suficientes para enterrar o pacote de Haddad, demonstram dificuldades do governo em conseguir os votos necessários para acelerar a tramitação dos projetos no plenário da Câmara e aprovar a PEC com rapidez. Além disso, pressionam o Executivo a negociar o tamanho do ajuste – para mais ou para menos.
Emendas
Para além do conteúdo, a indefinição sobre o pagamento de emendas parlamentares também trava um acordo para a votação do pacote. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino autorizou a liberação de recursos que estavam travados, mas exigiu o cumprimento de algumas exigências com as quais o Congresso não concorda e que não foram aprovadas no projeto que passou sobre emendas.
Entre elas está a obrigação da divulgação do nome de todos os parlamentares que foram beneficiadas pelo extinto orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, e pelas emendas de comissão, que herdaram parte do mecanismo, e a submissão dos recursos às políticas estratégicas do governo federal.
Deputados temem que, usando a decisão de Dino, o governo se negue a liberar várias emendas, ou acabe “pendurando” os pagamentos para o ano que vem. Para tentar apaziguar a insatisfação, o Palácio do Planalto orientou o Tesouro Nacional a pagar R$ 7,8 bilhões em emendas individuais (incluindo emendas Pix) e de bancada que estavam travadas antes da determinação do STF.
Internamente, no entanto, parlamentares querem verificar se haverá realmente a liberação. Além disso, também cobram o pagamento das sobras do orçamento secreto e das emendas de comissão. No total, há R$ 25 bilhões em emendas de 2024 que ainda não foram pagas.
Outro fator de preocupação para o governo é com o Orçamento de 2025. O governo espera incorporar algumas medidas do pacote, com impacto fiscal de R$ 30,6 bilhões, no próximo ano. O deputado Domingos Sávio (PL-MG), relator da receita no Orçamento deste ano, afirmou que a arrecadação federal está superestimada e precisará ser revista. Na prática, isso pode diminuir os recursos programados para 2025 e comprometer despesas de interesse do Poder Executivo.
Só na Previdência Social, o relator estima que as receitas estão superestimadas em R$ 18 bilhões porque foram calculadas como se não fosse haver desoneração da folha de pagamentos.
O que isso significa? Que eram mais R$ 18 bilhões para cortar de algum lugar e manter um Orçamento ainda assim sem nenhum superávit primário”, disse Domingos Sávio, que ainda acrescentou a insatisfação sobre a decisão de Dino em relação às emendas. “O governo não tem que ter autoridade absoluta sobre o Orçamento.”
Fonte: Estadão