MP 1262 tem pouca margem para flexibilização no Congresso

A Medida Provisória 1262/2024, que estabelece uma tributação mínima de 15% sobre a renda das multinacionais com receita anual superior a € 750 milhões, tem pouca margem para ser flexibilizada no Congresso Nacional. A avaliação é da subsecretaria de tributação e contencioso da Receita Federal, Claudia Pimentel, que falou sobre o tema no evento Diálogos Tributários, promovido pelo JOTA na última terça-feira (26/11). A MP 1262 foi editada no dia 3 de outubro de 2024 e perde a validade em março de 2025.

Segundo a secretária, é possível, caso os contribuintes julguem necessário, que alguns temas “subam” da Instrução Normativa que regulamenta o tema para a lei ordinária que será aprovada pelo Congresso. Ela esclareceu, porém, que até o momento nenhuma emenda nesse sentido foi recebida. Pimentel explicou que há uma preocupação em implementar um imposto mínimo global no Brasil que seja “qualificado”, ou seja, bastante aderente às regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lógica é evitar problemas como os ocorridos na Colômbia e Índia, países em que o imposto mínimo teve características menos alinhadas ao Pilar 2 da OCDE. 

A secretária também abordou o tratamento dos diferentes incentivos fiscais vigentes e sua possível transformação em créditos fiscais, que pesam menos no cálculo dos 15%. Para ela, porém, esse mecanismo deve ser utilizado com parcimônia. “Se você transformar tudo em crédito fiscal, você vai estar jogando por terra a intenção efetiva do Pilar 2. Esse desenho e essa substituição dos incentivos tem que ser dada de uma forma muito cautelosa”, afirmou, destacando a complexidade do tema.

Pimentel reafirmou a posição da Receita Federal em defesa da prorrogação da Tributação em Bases Universais (TBU) por mais dois anos, mas admitiu que a intenção é que se discuta um novo sistema de Income Inclusion Rule (IIR). Nesse modelo, a multinacional de matriz brasileira olha para subsidiária estrangeira e avalia se ela já tributou a renda acima de 15%. Nessa hipótese, não há cobrança adicional no país da controladora. Do contrário, aplica-se o chamado “top up tax”, para garantir o piso de 15% de alíquota, conforme o JOTA noticiou em outubro.

MP 1262/2024

Em relação às principais críticas tecidas contra a MP 1262, Pimentel citou os parâmetros fixados para calcular o chamado gap na tributação, ou seja, a diferença entre o que foi efetivamente recolhido e o percentual de 15%. A OCDE estabelece que há duas possibilidades – o local ou da matriz no exterior. Pimentel explicou que na MP 1262 optou-se por utilizar sempre o gap brasileiro pois, tanto para os contribuintes como para a administração tributária, conhecer o gap e a contabilidade nos demais países é algo complexo. As empresas que já estão localizadas no Brasil já conhecem a  base de cálculo brasileira, o que avalia como algo positivo.

A secretária defendeu, no caso dos benefícios da Sudam e Sudene, a possibilidade de transformar esses incentivos em um crédito fiscal qualificado a partir de 2026. Ela relembra que a mesma prática já foi adotada no caso da subvenção de investimento. A vantagem desse crédito, explica, é a possibilidade de reduzir a possibilidade de tributação adicional.

Pimentel reforça, contudo, que nem todo benefício fiscal faz com que as empresas fiquem abaixo dos 15%. “[Se] uma empresa só tem a Sudam e a Sudene, ela não vai ser subtributada. Por que? Se você for calcular que é 75% da redução [da tributação sobre] o lucro, e você aplica a alíquota do IRPJ, você vai ver que ela vai recolher uns 15%, 25%. Essa é a alíquota definitiva”, disse.

Na visão da secretária, o Perse, programa voltado ao setor de eventos, pode ter um grande impacto na alíquota pelas características do incentivo. No caso do ágio, devido às suas especificidades na lei brasileira em comparação aos demais países, seu impacto na alíquota ainda está em discussão pela Receita, explicou Pimentel. Por outro lado, ela minimiza os impactos da Lei do Bem e dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) na possibilidade de as empresas ficarem abaixo dos 15%.

Tributação de Bases Universais

Em linha com o que já foi divulgado pela Receita Federal anteriormente, Pimentel reforçou que o governo irá prorrogar por mais dois anos as regras atuais de Tributação de Bases Universais, que possuem validade até 31 de dezembro. O motivo é que não há tempo hábil para a elaboração de uma proposta com devido debate envolvendo os contribuintes, com a tramitação e aprovação ainda este ano no Congresso, como seria necessária pelo princípio da anterioridade anual.

O caminho adotado pela Receita Federal, explicou, será a extensão do prazo da atual medida e, logo no primeiro semestre de 2025, iniciar o diálogo sobre um novo modelo. Será necessário um mapeamento do impacto para eventual compensação, respeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e garantindo que não haja impacto orçamentário para 2025. Diante deste timing, segundo a secretária, a intenção da RFB é que 2026 já seja o ano de implementação, com a possīvel revogação antecipada das atuais regras atuais.

Ela não deu detalhes sobre qual seria uma linha de trabalho para essa nova proposta, porém citou como um dos vários exemplos possíveis a ser seguido a mudança feita nas regras para offshores de pessoa física. Isso representaria, em sua visão, uma regra mais direcionada para aqueles casos que possuem efetivamente uma baixa tributação ou renda passiva.

A TBU foi prorrogada em abril de 2023 após aprovação da Medida Provisória 1148/2022. Além de continuar permitindo a concentração, no Brasil, do resultado de controladas no exterior, o texto prevê o direito, para a controladora no Brasil, a um crédito presumido de 9% de CSLL, o que reduz a tributação corporativa a ser recolhida no Brasil.

Preço de Transferência

Pimentel informou que a Receita recebeu 32 sugestões de institutos, pessoas jurídicas, associações e até mesmo de pessoas físicas na consulta pública aberta em agosto sobre a regulamentação das regras de preço de transferência.

Um dos principais pontos levados refere-se ao Acordo de Preços Antecipado (APA). Pimentel citou que não há previsão, na Instrução Normativa 2.161/2023, que regulamenta as novas regras, de um APA bilateral, ou seja, realizado entre duas jurisdições. Segundo ela, a possibilidade não foi abordada por já existir base legal para a execução desse instrumento, que está presente nos acordos para evitar dupla tributação, em especial no artigo 25.

A Lei 14.596/23, que define as diretrizes para o cálculo dos tributos incidentes sobre operações internacionais entre empresas ligadas, buscou introduzir, no artigo 38, o APA unilateral – modalidade na qual ainda não havia base legal no Brasil. “O [APA] bilateral é melhor? Sem dúvida. Ele toma mais tempo, porque tem que discutir com outro país, mas dá mais segurança para a empresa. É claro que ele é recomendado, mas não basta ter um acordo, o outro país tem que querer fazer”, disse. Uma das preocupações levantadas pelos contribuintes na consulta pública e durante o debate no evento do JOTA foi o requisito de participação em um programa de conformidade para a realização do  APA. A secretária esclareceu que isso ainda está em avaliação na sua área, e reconheceu que, mesmo os atuais programas da Receita Federal, como o Confia, ainda estão em fase inicial.

Outra preocupação levada pelos contribuintes na consulta pública foi a previsão, no texto da IN, de impossibilidade de recurso quando a continuidade do contribuinte no APA é rejeitada pela Receita por este não se adequar às regras de conformidade. A secretária explicou que o processo em tese não deve ser conduzido por um único auditor fiscal, mas sim por uma equipe. Mas admitiu que este é um ponto que está sendo avaliado tanto pela sua subsecretaria como pelo departamento de auditoria – SUFIS, devido ao nível da tecnicidade.

Segundo Pimentel, a publicação da Instrução Normativa regulamentando as novas regras para Preço de Transferência deve sair ainda este ano, para que já no início de 2025 a Receita comece a operacionalização


Fonte: JOTA

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