Pacote foi decepcionante e anúncio, desastroso, diz banqueiro

Ricardo Lacerda, dono do BR Partners, e outros banqueiros preveem alta de juros em 2025

Brasília e São Paulo

“O pacote foi decepcionante”, disse o banqueiro Ricardo Lacerda, dono do BR Partners. “E o anúncio foi pior ainda, beirando o desastroso.” Para ele, que comanda uma instituição de investimento, “vai ser muito difícil alcançar os R$ 70 bilhões com os mecanismos propostos”.

Lacerda considera que haverá uma explosão da inflação. “Não descarto atingirmos 8% a 10% já em 2025.”

O Painel S.A. ouviu outros quatro banqueiros, mas eles só quiseram falar sob a condição de anonimato. Para todos, sem exceção, a Selic (taxa básica de juros) deve subir acima de 14,25% até 2025, podendo chegar a 15%, porque consideram insuficiente o pacote de corte de gastos, apresentado pelo governo para conter o déficit nas contas.

Os quatro executivos preveem que o próximo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, terá de arcar com o ônus de elevar a taxa básica da economia assim que tomar posse, em janeiro, diante das dificuldades para o governo executar o plano.

Lacerda, no entanto, diverge. Mesmo com a pressão inflacionária, ele prevê que a Selic deve ficar no patamar de 13,25% ao ano em 2025.

Frustração

Um dos executivos disse, por exemplo, que a redução da projeção de crescimento da despesa relacionada ao abono salarial foi “cosmética”.

A partir de agora, o abono, uma espécie de 14º salário concedido a quem ganha até dois salários mínimos mensais, passa a ser corrigido pela inflação para valores de até R$ 2.640 em vez de ser alterado pela variação do salário mínimo.

Pelos cálculos desse banqueiro, isso equivale a somente 0,5 ponto percentual de corte na curva de crescimento dessa despesa até 2035.

O dono de outra instituição paulista avalia que o governo poderia ter atacado com mais contundência os incentivos fiscais.

Ele esperava, por exemplo, uma redução anual de cerca de 10% dos benefícios até 2030. O plano de corte prevê que só haverá vedação à criação de novos incentivos se houver déficit primário em 2025. Neste caso, também não será possível aumentar ou prorrogar benefícios. Essa despesa, no ano passado, consumiu quase R$ 520 bilhões do Orçamento.

Sócio de uma grande instituição de varejo considera ainda que haverá desgaste para o governo levar adiante a votação das leis necessárias para a efetivação do plano anunciado.

Segundo ele, ainda não está claro se o Congresso vai votar essas medidas sem que o Planalto libere os pagamentos das emendas parlamentares.

Assessores parlamentares dessa instituição no Congresso já disseram a esse banqueiro que, na Câmara, não há garantias de que sejam votadas sem a liberação dos recursos.

Caminho errado

Um dos criadores de um banco de investimento importante no Rio de Janeiro foi taxativo em dizer que “estamos no caminho errado”. Para ele, o governo resiste em fazer um corte mais duro e isso custará caro no próximo ano.

Todos criticaram a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda ara quem ganha até R$ 5.000 mensalmente no momento em que o governo anuncia um esforço fiscal modesto.

Essa medida terá impacto de R$ 35 bilhões, receita que não entrará no caixa.

Para eles, a resistência do governo em fazer cortes mais drásticos vai colaborar com o aumento do endividamento público, algo que pressiona ainda mais os juros da economia porque, para se financiar no futuro, o governo precisará de mais dinheiro —o que tornará as taxas mais elevadas para o consumidor.

Para eles, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) terá de voltar à carga no primeiro trimestre deste ano com um mais cortes, como forma de garantir a implementação do arcabouço fiscal.

Gestores também criticam

O Painel S.A. também ouviu gestores, que disseram que o valor potencial do corte é um dos pontos que mais podem frustrar o mercado, que agora está fazendo cálculos após a divulgação das medidas. Causa temor também a dificuldade de aprovação.

Eles ainda fizeram coro à crítica dos banqueiros com a inclusão da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil no bolo do pacote.

“A gente estava esperando corte de gastos e não corte da arrecadação. Mas, sinceramente, não teve nada do que já não fosse esperado”, afirmou Werner Roger, gestor da Trígono Capital.

Ele demonstrou preocupação com a pressão inflacionária que a medida trará, com o aumento do poder de compra da classe média. “A conta vai chegar em 2027”, disse levando em consideração que o início da isenção acontecerá apenas em 2026.

Fernando Siqueira, chefe de research da Eleven Financial, afirmou que ficou incomodado com o fato de que a isenção, por ser uma medida populista, pode ser aprovada com facilidade, sem a garantia de que a compensação proposta também passe no Congresso.

“Era melhor ter certeza de um antes de propor o outro”, afirmou.

O gestor Hugo Queiroz, sócio da L4 Capital, lembrou que a Câmara já deu todos os recados de que não quer aprovar aumento tributário como compensação de medidas como a isenção do IR.

“No dia 30 de outubro, mais de 260 deputados votaram contra a taxação dos ricos. Então, a dificuldade de executar esse plano fiscal é um ponto de preocupação”, disse.

Segundo Queiroz, o corte anunciado de R$ 70 bilhões pode ser pouco efetivo em um cenário macroeconômico mais desafiador à frente, com alta de inflação e juros, o que exigirá mais anúncios por parte da equipe econômica. Com Stéfanie Rigamonti


Fonte: Folha de São Paulo

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