Taxação de renda mais alta será progressiva com alíquotas de 5% a 10%; veja as faixas de rendimento

Governo estima que perda de receita com isenção do IR até R$ 5 mil será de R$ 35 bilhões, número abaixo do previsto pelo mercado

BRASÍLIA – A reforma do Imposto de Renda (IR) que será enviada ao Congresso no ano que vem, mas teve medidas antecipadas pelo ministro Fernando Haddad na noite desta quarta-feira, 27, vai prever uma taxação progressiva para quem tem renda total acima de R$ 50 mil por mês. A ideia é que as alíquotas comecem a subir a partir desse valor, até chegar a 10% para rendas a partir de R$ 100 mil mensais, segundo apurou o Estadão.

A tributação só vai acontecer se a soma de todas as rendas da pessoa física – como salário, aluguéis, lucros e dividendos – passar de R$ 50 mil por mês (R$ 600 mil por ano). Nesse caso, será calculada a alíquota média efetiva de sua tributação. Se ela for menor do que 5%, o contribuinte pagará a diferença.

Esses dois números números vão subindo progressivamente, até chegar à alíquota de 10% para rendas mensais a partir de R$ 100 mil – ou 1,2 milhão por ano

O pagamento da “diferença” acontecerá no ajuste anual do Imposto de Renda. Se a alíquota média efetiva paga pelo contribuinte já for superior à alíquota mínima daquela determinada faixa de renda, não será necessário fazer nenhum pagamento adicional à Receita.

No caso dos dividendos, o entendimento é de que eles permanecerão isentos para a maior parte dos usuários dessa modalidade, e que só serão atingidos pela medida aqueles que ganham acima de R$ 50 mil por mês.

Essa renda, que hoje é isenta, será somada a outras rendas da pessoa física – o que irá contribuir para jogar para baixo o percentual de imposto médio que é pago hoje

Isenção de IR com custo de R$ 35 bi

Segundo interlocutores do governo, essa medida será suficiente para compensar a isenção de até R$ 5 mil com Imposto de Renda. Pelos cálculos da Receita Federal, considerados conservadores, as perdas com a proposta serão de R$ 35 bilhões por ano, segundo apurou o Estadão – muito abaixo de números feitos por economistas do setor privado, que calculam uma cifra na faixa de R$ 45 bilhões – mas podendo chegar a R$ 80 bilhões.

Para minimizar o impacto fiscal da medida, o governo pretende utilizar um mecanismo similar ao desconto simplificado automático que foi adotado em 2023 para ampliar a isenção a quem ganha até dois salários mínimos.

Segundo apurou a reportagem, haverá três faixas de cobrança de Imposto de Renda: isenção até R$ 5 mil; uma faixa com desconto entre R$ 5 mil e um valor próximo de R$ 7 mil ainda não definido; e a alíquota cheia, de 27,5% para quem ganha acima desse valor. Essa proposta feita em “escadinha”, segundo integrantes do governo, tende a amenizar os impactos da proposta.

Pacote traz dúvidas ao mercado e sensação de que não será suficiente para alcançar superávit

O anúncio do pacote fiscal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na noite desta quarta-feira, 27, trouxe muitas dúvidas ao mercado e, apesar da falta de detalhamento, a sensação de que não será suficiente para alcançar o resultado primário do arcabouço. “O corte de despesas mostra a dificuldade política do governo em enfrentar a necessidade de revisão mais ampla dos gastos, incluindo programas sociais que tiveram crescimento acelerado e pro-cíclicos nos últimos dois anos”, afirma a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória.

Ela calcula que as medidas anunciadas são insuficientes para zerar o déficit primário, estimado por ela em R$ 110 bilhões em 2025. Mais que isso, apontam também para um desafio político do governo. Há, contudo, medidas que vão em direção correta, ainda que insuficientes. Na visão de Vitória, entre elas estão a revisão do abono, a limitação do reajuste do salário mínimo e uso de emendas para cumprir o piso de gastos da saúde.

“Por outro lado, o anúncio da isenção de Imposto de Renda (IR) traz mais incerteza para a trajetória fiscal em 2026, e indica que o governo deve ter nova expansão fiscal no próximo ano eleitoral”, disse.

O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, avalia que o aumento da tributação para quem tem renda superior a R$ 50 mil deve ser insuficiente para compensar a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil. “Acho bem complicado, não me parece muito provável”, diz.

Na avaliação do economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, o “principal desafio será exatamente encontrar uma compensação financeira, como exige a legislação”. Sobre a extinção dos supersalários no funcionalismo público, Sanchez destaca que “esses supersalários já não são previstos em lei, sendo viabilizados por meio de adicionais e benefícios conhecidos como ‘penduricalhos’”.

“No fim das contas, a economia prevista para 2025 e 2026 é relativamente factível, mas, como já se sabe, segundo nossos cálculos, insuficiente para a convergência da meta de resultado primário do arcabouço fiscal. Vale lembrar que nos referimos ao resultado primário ‘do arcabouço’ devido às exceções e ajustes nos cálculos tradicionais de resultado primário”, resume Sanchez.

Para ele, a ausência de discriminação da contenção por ano no pronunciamento público do ministro sobre o pacote de gastos causa estranheza e sugere que o pacote pode ter pouco impacto imediato. Segundo o economista-chefe, como a alteração no salário mínimo precisará ser incorporada ao Orçamento, que deve ser aprovado até o final do ano, a medida não deverá enfrentar grandes obstáculos para entrar em vigor ainda em 2024.

Esforço legislativo

Já as mudanças no abono salarial exigem a alteração da Lei nº 7.998/90, a qual atualmente estabelece que trabalhadores que receberam até dois salários mínimos médios de remuneração mensal no período trabalhado são elegíveis. “Essa mudança demandará maior esforço legislativo, que, frente aos problemas com as emendas parlamentares, pode sofrer alguma resistência”, avalia.

Outro aspecto relevante, segundo Sanchez, é a perspectiva de que, nos próximos anos, o abono seja pago apenas a quem recebe até um salário mínimo e meio por mês. Para 2025, o novo teto proposto equivale a 1,87 vez o salário mínimo.

O ministro também destacou a necessidade de combater fraudes na concessão de benefícios sociais, como o Bolsa Família e o BPC. Essa medida, por sua vez, não exige aprovação legislativa significativa, mas também não gera maiores esperanças fiscais”, pondera.

Já do lado positivo, Haddad mencionou que, em caso de déficit primário, ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários. “Não se trata de algo estrategicamente preciso, mas adiciona alguns gatilhos interessantes às regras fiscais. Resta saber qual será a abrangência dessa limitação, que potencialmente precisará de um PLP para se sobrepor aos benefícios tributários atuais”, afirma o economista-chefe da Ativa.

Reação do mercado

Nicolas Borsoi, da Nova Futura Investimentos, considera que o plano fiscal deveria reduzir as incertezas, mas avalia que a economia total será menor do que a esperada.

Para ele, por causa da questão do IR e das dúvidas quanto à economia do pacote, o mercado deve permanecer tenso nos próximos dias. “Se muita gente foi posicionada para amanhã, apostando principalmente em um recuo do governo na questão da isenção do IR, as taxas de juros tendem a seguir pressionadas sim”, avalia.

O mercado espera que a coletiva de imprensa sobre o pacote de contenção de despesas, marcada para quinta-feira, 28, às 8h, traga um detalhamento sobre a estrutura de cortes e sua implementação, segundo a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese. Isso porque o pronunciamento de rádio e TV do ministro da Fazenda trouxe poucas informações técnicas sobre como o plano fiscal vai funcionar. “As atenções agora se voltam para a entrevista coletiva de amanhã, e se os detalhamentos esperados forem no sentido de corrigir distorções e explicar como tais cortes serão feitos e postos em prática, poderemos ter um dia um pouco mais tranquilo para os mercados”, disse a economista.


Fonte: Estadão

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