Artigo 19: o que dizem especialistas sobre o 1º dia de julgamento no STF
Detalhes dos relatórios e comentários de ministros podem indicar plenário dividido em relação ao futuro do Marco Civil da Internet
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que pode resultar no entendimento pela responsabilização de plataformas por conteúdos de terceiros, que começou nesta quarta-feira (27/11), será retomado amanhã, com a sustentação oral dos amici curiae remanescentes.
Nesta quarta, além das manifestações dos amici curiae, o ministro Dias Toffoli leu seu relatório sobre o caso do RE 1.057.258 (tema 933), sobre o caso de uma dona de casa que acionou a Justiça contra o Facebook por um perfil falso. O ministro Luiz Fux também apresentou seu relatório no RE 1057258, sobre uma professora que pediu à extinta rede Orkut que derrubasse uma comunidade ofensiva.
Logo no início da sessão, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, fez a distinção entre os dois casos, apontando a diferença entre “conteúdo” e “perfis falsos”, notando que os casos das contas fake não seriam protegidos pelo artigo 19 – um argumento que retirou da manifestação da Advocacia-Geral da União, diz Pedro Henrique Ramos, fundador e diretor-executivo do Reglab, um centro de estudos focado em tecnologia e regulação.
“O fato de Barroso citar um argumento da AGU não é trivial, e o Executivo tem sido determinante para moldar o debate em torno da interpretação conforme”, diz. A interpretação conforme é uma estratégia jurídica que busca adaptar o texto de uma lei para que ele esteja em harmonia com a Constituição, sem necessariamente invalidá-la.
No âmbito do debate do artigo 19, essa interpretação foi proposta pelo Executivo durante audiência pública em 2023. No julgamento, o posicionamento foi defendido pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil) e pelo Instituto Alana, voltado à infância, por exemplo.
Para Ramos, detalhes do primeiro dia de julgamento também podem indicar um plenário dividido. Ao apresentar seu relatório, Toffoli disse que o Facebook “nada fez” e foi “inerte”, aponta. “Fux adota uma abordagem técnica, priorizando a consistência jurídica e processual, enquanto Toffoli busca conciliar a interpretação jurídica com implicações políticas e sociais”, completa Fábio Pereira, sócio da área de Proteção de Dados & Privacidade do Veirano Advogados. Um discurso desfavorável às plataformas também veio de Alexandre de Moraes, que reclamou o quanto é difícil remover perfis falsos.
As diferentes posturas também podem significar uma dificuldade à interpretação conforme, segundo Pereira. “A aplicação dessa técnica depende de um consenso entre a visão pragmática de Fux e Toffoli e a postura mais rígida de Moraes, que prioriza a defesa literal da Constituição e a eficácia das normas na proteção de direitos fundamentais”, diz.
1º dia de julgamento
Além dos casos cujos relatórios foram lidos hoje, também está na pauta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, que aborda decisões estaduais relacionadas à suspensão do WhatsApp.
Durante as discussões desta quarta-feira, o Ministério Público do Estado de São Paulo argumentou que o artigo 19 é inconstitucional, afirmando que ele prioriza interesses patrimoniais das plataformas digitais em detrimento da proteção de direitos fundamentais. O procurador Nilo Spinola Salgado Filho defendeu que a exigência de ordem judicial para remoção pode perpetuar danos às vítimas. Outras entidades que atuam como amicus curiae, como o Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), disseram que a norma atual fragiliza quem sofre danos no ambiente digital, sugerindo interpretações mais específicas para conteúdos cuja ilegalidade seja evidente.
Organizações como o Instituto Alana e a Confederação Israelita do Brasil também participaram. O Instituto Alana destacou que as big techs devem observar o princípio constitucional da proteção absoluta de crianças e adolescentes, enquanto a Confederação propôs um prazo de 24 horas para remoção de conteúdos que representem ilícitos tipificados, citando como exemplo a legislação alemã.
Do lado das plataformas, o Facebook afirmou que, no caso concreto, não era flagrante a ilegalidade do conteúdo da página, criada em nome da autora, e, que havia fortes dúvidas sobre a denúncia feita. Já o Google defendeu que alterações no artigo não imponham responsabilidades desproporcionais às plataformas, sugerindo maior uso de notificações extrajudiciais criteriosas como base para a remoção de conteúdos.
Fonte: JOTA