Reforma tributária: Senado discute regulamentação com desafio de evitar novo aumento na alíquota
BRASÍLIA – Depois de ter sido aprovado em meados de julho na Câmara, o Senado vai começar a discutir nesta terça-feira, 29, o projeto de lei que regulamenta a reforma tributária. Entre senadores, há a certeza de que haverá mudanças no texto, mas o entendimento do relator da proposta, Eduardo Braga (MDB-AM), é de que há menor margem de manobra para mudanças na Casa, já que a versão final da proposta caberá à Câmara dos Deputados, com possibilidade também de vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por isso, Braga tem dito que será preciso negociar com lideranças da Câmara e do Executivo, antes que os senadores aprovem modificações no texto em plenário. Entre os principais desafios do relator, segundo tributaristas, é impedir que novos setores e produtos consigam entrar em regimes com alíquotas reduzidas, para evitar um aumento da chamada “alíquota padrão do imposto”.
“Temos de buscar o consenso com a Câmara previamente, sob a pena de que as medidas não sejam acolhidas pela Câmara e nem sequer cheguem ao Executivo”, afirmou o relator durante apresentação do plano de trabalho de tramitação, na última semana.
Pelo calendário de Braga, haverá 11 audiências públicas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, até o dia 14 de novembro. Nesta terça, ele vai receber o secretário especial para Reforma Tributária, Bernard Appy, além do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, e outros especialistas no tema.
Ao término das audiências, Braga ainda pediu tempo para escrever o seu relatório e abrir as negociações com senadores, deputados e integrantes do Ministério da Fazenda. Ele afirmou, contudo, que o objetivo é aprovar o texto ainda em 2024.
“Já temos 1.461 emendas ao texto, contra 898 emendas que foram apresentadas na tramitação da PEC. São mais de 500 adicionais. A regulamentação decide os detalhes, e por isso tem um debate maior no setor produtivo”, afirmou.
Carnes com alíquota zero
Segundo Braga, dificilmente as carnes serão excluídas da cesta básica que tem alíquota zero, depois da inclusão feita pela Câmara. Segundo ele, não há “clima político” para a mudança, ainda que ela tenha tido forte impacto sobre a alíquota padrão do novo imposto imposto.
Foi decisão política que a Câmara tomou (incluir as carnes). Não vejo viabilidade política para que isso seja alterado pelo Congresso Nacional”, afirmou.
Com a inclusão da carne, cálculos preliminares do Ministério da Fazenda apontam que a alíquota do IVA chegará a 28%. Esse item, sozinho, elevou o IVA em 0,56 ponto porcentual. Se confirmada, será a maior cobrança do mundo, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Atualmente, o ranking global é liderado pela Hungria, que tem uma taxação de 27%.
Setores se mobilizam
Na visão do advogado tributarista Eduardo Fleury, doutor em Ciência da Tributação pela Universidade da Flórida (EUA), com especialização em Imposto sobre Valor Agregado (IVA), as alterações feitas pela Câmara sanaram vários problemas no texto, e por isso, há menos margem de manobra para mudanças no Senado.
“Acho que vai ser menos problemático no Senado. Teve muita disputa na Câmara, eles conseguiram muita coisa e quem não conseguiu pode ficar tentando, só que por outro lado eles viram que o espaço para concessões agora é menor, fica muito difícil”, afirmou.
Para a advogada e Pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), da FGV Direito de São Paulo, Lina Santin, há vários setores se mobilizando por mudanças. Entre eles, a construção civil, que alega que haverá forte aumento de carga, além da aviação internacional, que hoje é desonerada e passará a ter incidência de impostos, além de alguns tipos de medicamentos que não entraram na lista de alíquota zero, entre outros.
“Como o Senado ficou de casa revisora, já que o projeto de lei começou a tramitar pela Câmara, há uma restrição maior para mudanças. Ainda assim, isso não condiz muito com a intenção dos senadores. Na PEC, a experiência que a gente teve é que o Senado conseguiu mudar muito o texto, e mesmo assim as mudanças foram acatadas na Câmara”, disse.
Entenda a tramitação
A emenda constitucional que muda o sistema de tributação do País foi aprovada no ano passado por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), mas ainda é preciso passar a regulamentação do projeto, por meio de duas leis complementares.
A primeira lei, que está sob análise do Senado, já foi aprovada na Câmara, e trata da espinha dorsal do IVA, que será dividido em dois impostos. Um se chamará Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com incidência federal, e o outro se chamará Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que tem caráter estadual e municipal.
O segundo projeto de lei ainda está em análise na Câmara e institui o Comitê Gestor do IBS e trata da distribuição das receitas para Estados e municípios e também estabelece regras do imposto sobre herança e transmissão de imóveis.
Trava na alíquota’
Durante a tramitação na Câmara, os deputados incluíram no texto uma trava para evitar que a cobrança do IVA ultrapassasse os 26,5%, como projetado inicialmente pela equipe econômica. O limite passaria a valer a partir de 2033, após o período de transição da reforma.
Especialistas, contudo, têm apontado pouca eficácia nesta trava, já que não há nenhum tipo de punição em caso de descumprimento da regra, apenas a necessidade de um envio, por parte do Executivo, de um projeto de lei propondo revisão de benefício. Braga indicou que pretende reforçar esse texto.
“Também faremos valer a trava para carga tributária incluída pelo Senado no texto constitucional, com objetivo de impedir aumentos futuros de impostos e assegurar a neutralidade da futura carga ao consumidor”, disse em audiência no Senado. Um dos pontos da PEC aprovada no ano passado é de que haverá manutenção da carga tributária, e uma das apostas do senador é de que a reforma consiga diminuir a sonegação no País. Com mais contribuintes pagando impostos, a expectativa é de que a alíquota padrão do IVA possa ficar mais baixa do que os valores calculados atualmente.
Fonte: Estadão