Disputa pela Usiminas chega ao STF e todos querem ser ‘amigos da corte’

Ação pede que Supremo esclareça decisão que deu vitória à CSN; entidades pedem para serem consideradas partes interessas na causa

Alex Sabino

São Paulo

A contragosto da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), o próximo capítulo da disputa da empresa com a Ternium, do grupo ítalo-argentino Techint, deverá ser no STF (SupremoTribunal Federal). As duas empresas brigam pelas ações da Usiminas e por uma indenização que, corrigida, já passou de R$ 5 bilhões.

A AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) entrou com pedido de Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Deseja que o Supremo esclareça a questão principal do caso: se a Ternium causou ou não alienação do grupo de controle da Usiminas ao comprar 27,7% das ações da siderúrgica em 2011. E há várias entidades e empresas interessadas no que o Supremo vai decidir.

CNT (Confederação Nacional dos Transportes), Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), ATP (Associação de Terminais Portuários Privados), ACMinas (Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais) e Previdência Usiminas (a caixa de funcionários da Usiminas) pediram ao STF para serem adicionados como “amigo da corte” no processo.

É um expediente em que uma terceira parte se considera interessada na causa, recebe avisos de audiências, movimentações e, mais importante que isso, passa a ter direito à palavra em julgamentos.

A Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) havia solicitado o mesmo, mas informa que desistiu.

A CSN tem 12,9% das ações da Usiminas, entende que houve mudança no controle e foi à Justiça em busca de indenização. Segundo ela, esta alteração deveria ter disparado o que é chamado de “tag along” —quando um grupo minoritário tem direito de receber uma oferta por suas ações devido à alienação do comando de uma companhia. É algo que está previsto no artigo 254-A da lei 6.404, conhecida como Lei das S/A.

A CSN acredita que isso aconteceu na Usiminas de forma disfarçada e em negociações paralelas para evitar a oferta pública de ações.

A Ternium sustenta não ter ocorrido troca de controle e teve pareceres favoráveis na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e na Justiça paulista. A reviravolta aconteceu a partir de embargos de declaração (tipo de recurso que serve para apontar uma incoerência ou dirimir dúvidas) apresentados no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que já havia dado decisão favorável à negociação. Em outro outro julgamento, a CSN venceu.

Por 3 votos a 2, o Tribunal Superior entendeu que deveria ter sido feita uma oferta aos minoritários e que a denúncia da CSN era procedente. Ela ganhou direito a uma indenização (mantendo suas ações) de cerca de R$ 5 bilhões. Os honorários dos advogados ficaram em R$ 500 milhões.

O ministro André Mendonça acolheu a abertura da Adin feita pela AEB, mas ignorou até o momento os pedidos feitos pela associação: suspensão de todos os processos em que se discuta a obrigatoriedade de uma oferta pública de ações (o tag along) e que seja dada uma interpretação ao artigo 254-A “conforme à Constituição”, por entender que a avaliação da CVM era correta.

Mendonça deu prazo de dez dias, contados desde o último dia 23, para a CVM se manifestar sobre o tema.

Consultada pela Folha, o órgão afirmou não comentar casos específicos. “A CVM tem conhecimento da decisão [do ministro Mendonça] e, por intermédio de sua Procuradoria Federal Especializada, tomará as medidas cabíveis oportunamente.”

Em seu pedido, a AEB pediu as medidas cautelares (não respondidas pelo ministro) “em atenção à segurança jurídica, à deferência e à discricionariedade técnica do órgão regulador, à separação de poderes, à isonomia, ao direito de propriedade, ao desenvolvimento nacional, à livre concorrência e ao incentivo ao investimento.”

O argumento central da AEB e de todas as entidades que pediram para serem admitidas como “amigas da corte” é o da insegurança jurídica. Que uma interpretação consagrada, segundo elas, pela CVM, tem de prevalecer.

A CSN não vê motivos para o caso chegar ao STF porque considera a decisão do STJ final. Para a siderúrgica, a Ternium busca apenas fazer barulho e usar força de pressão. Ela vê instrumentalização de terceiros e da própria Usiminas em favor da rival. A participação da Previdência Usiminas seria uma delas. Lembra que o governo italiano (o grupo Techint nasceu em Milão) também faria lobby em favor da Ternium, que nega ter qualquer envolvimento.

Como publicou a Folha, a CSN planeja novas ações judiciais contra a Ternium por considerar que a rival usa recursos financeiros e humanos da Usiminas na disputa acionária.

Em seu pedido, a CNT reivindica a realização de uma audiência pública. “Tem causado estranheza nas mesas de operação e no planejamento empresarial [a decisão do STJ]”, diz a Confederação. Também cita enrijecimento do mercado de capitais que diminuiria a “liquidez de ações do setor.”

A ATP chama de “interpretação expansiva” do STJ para dar vitória à CSN, considera o parecer do CVM uma “posição histórica” e diz que o caso tem importância “inequívoca para a sociedade brasileira.”

A Fiemg chama o entendimento do STJ de “bizarro”. Isso, opina a federação, “pode aumentar muito o curso da operação societária cujo valor pode chegar a mais que o dobro…”. Também cita “insegurança jurídica”.

A ACMinas vê um “conjunto de singularidades” na decisão do STJ, que considera um “ato inconstitucional.”

“Não pode o STJ entender que qualquer alienação ao simples fato de participar de acordo de acionistas seria ou geraria a obrigação daquela oferta pública. Esta, de modo muito simples, é a tese posta na Adin no STF”, afirma o presidente da ACMinas, José Anchieta da Silva.

Em argumento que chama a atenção da CSN, a Previdência Usiminas fala do receio do risco do “comprometimento, da capacidade e da disposição da Ternium para sustentar e impulsionar o crescimento da Usiminas, lançando dúvidas sobre os planos e objetivos de longo prazo da companhia.”

Questionada sobre o pedido para ser amiga da corte, a Previdência Usiminas disse ter atuação e gestão autônomas, sendo uma investidora histórica da Usiminas e parte de todos os últimos acordos de acionistas assinados nas últimas décadas. “A Previdência Usiminas é um investidor relevante no mercado de capitais brasileiro.” AEB, Fiemg e CNT não responderam até a publicação desta reportagem.


Fonte: Folha de São Paulo

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