Imposto para milionários: veja qual o potencial de arrecadação da proposta
BRASÍLIA – A criação de um imposto mínimo para milionários no Brasil, com uma alíquota efetiva de 12%, tem potencial em elevar a arrecadação do governo em torno de R$ 40 bilhões por ano, mas deve gerar de fato algo próximo a R$ 20 bilhões em razão do planejamento tributário. O montante seria insuficiente para repor a perda de pelo menos R$ 45 bilhões com a promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de isentar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Os cálculos, do economista do Santander Brasil Ítalo Franca, obtidos pelo Estadão/Broadcast, foram feitos com base em dados da declaração do Imposto de Renda Pessoa Física de 2022, com ano-base 2021. São mais de 250 mil contribuintes ganhando acima de R$ 1 milhão, segundo o levantamento.
Franca explica que, apenas sob a ótica da taxação dos milionários, a proposta de compensação é limitada, já que os indivíduos podem mudar os planos tributários para reduzir os efeitos do novo imposto. “As pessoas vão fazer outros tipos de decisões (com uma nova regra tributária). Eventualmente, se você taxa mais, provavelmente haverá uma diminuição da quantidade de dividendos. Então, eu acho que vai ter de ter um equilíbrio”, avaliou.
O impacto fiscal da ampliação da isenção do IR estressa o mercado, que teme que o governo deixe pontas soltas em uma reforma ampla da renda, pondo em risco a neutralidade. A equipe econômica já captou a mensagem. O ministro Fernando Haddad disse que leva alternativas técnicas para Lula, sem prazo para envio ao Congresso, que pode ficar para 2025. Com parte dos técnicos focados no novo sistema de tributos sobre consumo, a renda está em compasso de espera. Técnicos avaliam que a mudança do novo IVA é mais revolucionária e requer acompanhamento, enquanto, para a renda, a discussão política pesa mais.
Considerando debates que têm sido tocados pela equipe econômica, o economista do Santander fez ainda outras simulações de cenários. A isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, por exemplo, poderia gerar um impacto entre R$ 40 bilhões e R$ 45 bilhões, considerando os dados de contribuintes atuais e a previsão de um salário mínimo em R$ 1.509 no ano que vem. No entanto, o valor pode chegar de R$ 100 bilhões a R$ 120 bilhões se for feito um desenho completo, ou seja, no qual a primeira faixa de cobrança começaria a partir de R$ 5 mil.
Em relação às formas de compensar essa perda fiscal, o economista pondera que será preciso avaliar os parâmetros discutidos pelo governo. Se for criada, por exemplo, uma faixa de renda com cobrança de 30% a 35% para quem ganha acima de R$ 35 mil, o governo conseguiria arrecadar algo entre R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões, um terço da perda de R$ 45 bilhões em isenção. Outro ponto seria propor limitações à dedução de gastos com saúde, debate que já foi levantado em gestões anteriores.
De qualquer forma, Franca avalia que uma reforma da renda deveria ser discutida de forma ampla, com todos os pontos “amarrados”, para evitar ruídos e incertezas sobre a forma de compensar as receitas perdidas. “Em todas as estimativas, você olha muito para a foto. As pessoas vão fazer outros tipos de decisões. Acho que tem de ser uma reforma um pouco mais ampla para ligar todos os pontos, ganhar eficiências. Assim como na desoneração da folha, a gente fica com dúvidas se a compensação é permanente. E é isso que gera essa incerteza fiscal”, avaliou.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, avalia que o cenário mais justo seria aumentar o imposto da parcela mais rica e não mexer na parcela de renda menor com o intuito de ajudar no ajuste fiscal. Segundo ele, o governo caminha para tentar promover uma proposta neutra, mas que não é adequada no momento dado o nível de desajuste fiscal.
Ainda não está claro como de fato o governo quer fazer, mas, ao ser mais populista, acaba tendo mais chances de aprovação no Congresso. Infelizmente não ajuda a acalmar os ânimos”, disse ao Estadão/Broadcast. Ele reiterou que falta convencer o governo de que já se chegou ao limite no aumento de arrecadação.
Já o economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, avalia que, em meio à regulamentação da reforma sobre o consumo, o avanço sobre a tributação da renda pode influenciar negativamente a dinâmica da primeira e limitar o ganho de receita que o governo almeja, produzindo efeitos colaterais na sustentabilidade do arcabouço fiscal. “Sem centenas de bilhões de receita todo ano, a regra fiscal não fica de pé”, disse ele.
Discussão sobre créditos da ‘tese do século’ é estimada em R$ 2,8 bi
A discussão sobre a possibilidade de a União ajuizar ações rescisórias (usadas para cancelar sentenças com trânsito em julgado) contra créditos da “tese do século” alcança 1.023 ações e envolve cerca de R$ 2,8 bilhões, informou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ao Broadcast. A “tese do século” é como ficou conhecida a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de março de 2017, que excluiu o ICMS da base do PIS/Cofins, em derrota bilionária para os cofres públicos.
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Já há maioria formada para autorizar a União a ajuizar ações rescisórias para cancelar créditos de períodos anteriores à decisão do Supremo. O julgamento vai até esta sexta-feira, 18.
O valor de R$ 2,8 bilhões pode incluir receita nova, nos casos em que o contribuinte já obteve a compensação dos valores e terá que devolver à União. Outra parte, relativa aos casos em que a compensação ainda não foi efetivada, deixaria de sair do Tesouro.
Polêmica começou porque Supremo não definiu limite temporal
A controvérsia começou porque, ao excluir o ICMS da base do PIS/Cofins, o Supremo não se pronunciou sobre o limite temporal da decisão. Só depois, em 2021, a Corte decidiu que a diminuição da base de cálculo dos tributos federais vale somente a partir da data da decisão de mérito, e não se aplica a períodos anteriores. Ocorre que, entre 2017 e a modulação dos efeitos, em 2021, centenas de empresas conseguiram decisões favoráveis na Justiça para obrigar a União a devolver tributos pagos antes de 2017.
Desde então, a PGFN ajuizou ações rescisórias contra empresas que obtiveram na Justiça direito a, no mínimo, R$ 1 milhão em créditos cada uma. Ao todo, a União já devolveu mais de R$ 300 bilhões para atender a decisão do Supremo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já julgou o tema e permitiu o ajuizamento de ações rescisórias. O relator, Luís Roberto Barroso, disse em seu voto que “a autoridade da decisão do STF pode ser imposta ainda que haja título executivo judicial anterior, desde que se proceda ao ajuizamento de ação rescisória com o fim de adequar o julgado à modulação dos efeitos”. Para o presidente do Supremo, há “potencialidade de recursos sobre idêntica controvérsia constitucional”, o que evidencia a “relevância jurídica e social da questão”.
Fonte: Estadão